Há mortes que avivam, só por si, a personalidade de quem partiu para a eternidade.
Maria de Jesus Barroso é um desses casos.
A sua partida para a eternidade justifica, direi mesmo, exige/impõe que dela se fale, do seu percurso na vida como Mulher, como Esposa e Mãe e, de forma não menos significativa, como primeira-dama do País.
Quanto ao seu desempenho desta sua última missão – primeira-dama do País – pode dizer-se, sem receio de desmentido, que ela foi, naquela missão, d’entre todas as primeiras damas – (incluídas as 2 do Estado Novo) – aquela que, com a descrição e simplicidade que sempre a caracterizou, a que com mais elevado currículo cívico, político e cultural, desempenhou aquela tarefa.
Depois há que realçar o que foi a sua caminhada ao lado de um marido cujas ideias sempre respeitou, embora uma ou outra vez delas tenha discordado, mas sempre numa convivência serena e pacífica.
Em entrevista recente, no passado mês de Maio, precisamente no dia em que completou os 90 anos, historiou, d’entre outros aspectos da sua vida, a sua relação com a Fé e a Igreja Católica; primeiro, em miúda, como companheira de sua Avó nas idas à Missa. Depois no Liceu com a sua professora de Moral. Afastada no período da Universidade, volta à prática da Fé por altura do acidente de aviação em Angola de seu filho João, isto depois de uma caminhada de aproximação que já vinha fazendo na sua Paróquia do Campo Grande, em Lisboa, onde dialogava muito com o Padre Feytor Pinto.
Realce-se que esta caminhada em referência à Fé e à Igreja Católica foi vivida, pacificamente, no seio de uma família de socialistas e republicanos como ela mas, simultaneamente, agnósticos, ateus e maçons o que, quanto a mim, é bem a imagem de um espírito brilhante e tolerante com que Maria de Jesus Barroso passou pela vida.
Refira-se ainda, sobre a vida de Maria de Jesus Barroso que em 1927 foi entregue, com os seus 6 irmãos, aos cuidados da sua avó materna após a prisão de seu Pai, por ter participado no golpe militar falhado de Setembro daquele ano.
Com 18 anos licenciou-se em Arte Dramática no Conservatório de Lisboa, tendo na década de 43 representado no Teatro Nacional. Já casada, em 1951, licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas na Universidade de Lisboa. No ano de 1968 foi com seu marido para S. Tomé, após este ter sido deportado para aquela ilha pelo Governo.
Em 1969 foi candidata a deputada pela Oposição Democrática. Participou, anos depois, na Alemanha à fundação do P.S. onde foi a única mulher presente naquele acto. Depois do 25 de Abril – mais concretamente em 1976 foi eleita deputada pela 1ª vez, tendo sido reeleita em 1979, 80 e 83. Ajudou à criação da Fundação Pro-Dignitate, dedicada à defesa dos direitos humanos em 1974 e já em 1997 presidiu à Cruz Vermelha Portuguesa, em cujo Hospital viria agora a falecer.
O último dia da sua vida consciente foi muito feliz. Naquela 5ª feira esteve, à tarde, na festa infantil do Colégio Moderno, a velha instituição de Ensino fundada por seu sogro e a que dedicou muito da sua vida e do seu saber.
Até à eternidade Dra. Maria de Jesus Barroso.
Texto: Ventura Trindade
Foto: Reinaldo Rodrigues/Global Imagens