O adiamento de obrigações fiscais empresariais para proteger a saúde dos contabilistas certificados voltou a ser pedido por representantes destes profissionais, numa nova carta aberta à Ordem do setor, na qual alertam para o aumento de ‘stress’ excessivo.
A carta aberta data de quarta-feira, dia em que um despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, adiou por um dia útil, para 19 de julho, a entrega da declaração Modelo 22 do IRC, e adiou por oito dias, de 22 para 30 de julho, a Informação Empresarial Simplificada (IES), adiamentos que ficaram aquém do pedido pelos contabilistas, numa outra carta aberta enviada há três semanas à bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC), Paula Franco.
“A saúde dos contabilistas está ameaçada e comprometida”, afirmam na carta aberta enviada na quarta-feira, a que a Lusa teve acesso, assinada por 17 representantes na assembleia representativa da OCC, eleitos pelos círculos eleitorais dos distritos de Lisboa, Porto, Évora, Setúbal, Beja, Castelo Branco, Faro e Região Autónoma da Madeira, que dizem representar “dezenas de milhar”de membros da OCC e ter o dever de “ser voz” desses membros.
“Foi enviada no passado dia 23 de junho a exposição da situação de ‘burnout’ [perturbação psicológica causada pelo stress excessivo devido a sobrecarga ou excesso de trabalho] assumida pelos membros, apelando à sra. bastonária para o estabelecimento de diligências com vista ao zelo da saúde dos contabilistas, sem que até à presente data tenha havido resposta ao teor da mesma”, denunciam na carta, na qual precisam chegar “diariamente” ao seu conhecimento testemunhos de “centenas” de contabilistas certificados em desgaste físico e mental, com consequentes necessidades de assistência médica e hospitalar, nos casos mais graves.
Na carta, dizem ainda que muitos desses contabilistas doentes recusam as baixas médicas por motivos de ordem profissional, nomeadamente pelas consequências decorrentes do incumprimento tributário referente à modelo 22 e à IES/DA, e que desde março de 2020 “foram forçados a dar cumprimento às muitas solicitações das empresas, dos empresários e do Governo, como forma de mitigação da quebra das receitas por via das decisões governamentais em resposta à situação de pandemia”.
Lembrando o disposto na Constituição da República Portuguesa, quanto ao “direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover” e à “melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho”, os signatários apelam para a “gravidade da situação”, solicitando a que a Ordem dos Contabilistas Certificados interponha uma providência cautelar para suspender os prazos fiscais relativos à entrega da Modelo 22 e à IES/DA, com vista à redefinição dos mesmos para 31 de julho e 15 de setembro de 2021.
O representante na AR da OCC pelo distrito de Lisboa, Vitor Vicente, em declarações à Lusa, lembrou que o próximo dia 19 é véspera de terminarem duas grandes obrigações fiscais – a entrega do IVA mensal das empresas e a entrega e pagamento das retenções de IRS dos salários que acaba dia 20, além da entrega ao Estado das contribuições da Segurança Social.
A realização de assembleias-gerais de acionistas, que costumava terminar em março, terminou este ano em 30 de junho, tal como a entrega do IRS, muitas vezes feita por estes profissionais, que preparam também o fecho de contas para as assembleias-gerais.
“Dezenas de milhares de pessoas [contabilistas e outros que trabalham na área, como administrativos] estão em desespero, algumas já com mazelas de saúde que vão demorar a recuperar”, afirmou Vitor Vicente, adiantado ter conhecimentos de muitas denúncias nas redes sociais e de o tema estar no ‘top’ de discussão do fórum de contabilistas da OCC, com colegas a ameaçar mudar de profissão e outros, mesmo doentes, a evitar baixas médicas para salvar empresas suas clientes.
“Se os contabilistas não estiverem no seu posto de trabalho, a empresa não recebe ajuda e não consegue aceder a apoios”, explicou Vitor Vicente, lembrando as novas tarefas dos contabilistas, devido à pandemia, para certificarem as quebras de faturação das empresas que dão direito a apoios.
A bastonária, Paula Franco, em declarações à Lusa, reconheceu o esforço feito pelos contabilistas, em tempos de pandemia, admitiu que “mereciam” um adiamento de prazos, face aos casos de ‘burnout’, mas enalteceu que faltam apenas 40 mil modelos 22 para entregar e que “parece que a maior parte conseguiu cumprir”.
Já quanto à IES/DA, cuja entrega foi adiada para o fim deste mês, reconheceu que o adiamento “não é bem” o que a OCC queria, mas que “foi o possível”, explicando compreender a necessidade de equilibrar as necessidades dos contabilistas com as necessidades das empresas, e do Estado, de terem a informação necessária para aceder a apoios às empresas, nomeadamente os europeus.
“É preciso um equilíbrio”, disse, explicando que a OCC não avançou com a providência cautelar depois de, em 2014, semelhante pedido ter sido interposto, para resolver problemas relacionados com o portal das Finanças, e tendo sido rejeitado por acórdão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
A pandemia de covid-19 tem levado o Governo a flexibilizar as datas para o cumprimento de várias obrigações declarativas, bem como para o pagamento de impostos, considerando que esta adaptação “constitui um mecanismo facilitador do cumprimento voluntário de obrigações”.
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Lusa