A menos de dois meses do dia marcado para as eleições autárquicas, a equipa do CHEGA, liderada por José Lérias Trindade, faz contas à vida e estuda uma estratégia de aproximação ao eleitorado. Com o neorrealismo do distanciamento a marcar a época contemporânea, enviesa-se o caminho, e opta-se pela assepsia das redes sociais, que são, em tempo de pandemia, um lugar seguro para se fazer propaganda política. Mas para o candidato do partido de André Ventura, essa via alternativa sabe a pouco: “sabemos que no essencial a campanha vai passar por aí, e naturalmente temos que ter muito cuidado a esse nível. Muito embora eu já faça duas campanhas, sempre achei por bem passar nas freguesias, seja nas urbanas ou nas rurais. Vamos tentar fazê-lo, mas com um número reduzido de pessoas”.
O homem que dá rosto ao projecto “Um Novo Rumo para Elvas” também conhece a importância do espaço que a comunicação social lhe oferece para dar a conhecer as ideias e as soluções que propõe para os próximos 4 anos de gestão autárquica. Por isso, mune-se de um caderno com notas que usa como auxiliar para que não lhe escapem os aspectos mais importantes do programa que nos dá a conhecer. Esse programa, no essencial delineado por mão própria, com o auxílio da equipa que o secunda, resulta da motivação que o leva a querer ser presidente da Câmara e que consiste em alterar o estado da arte, através de um impulso de crescimento. A residir em Elvas há 12 anos, José Lérias Trindade converteu-se num seguidor atento da actividade camarária, que lhe merece nota negativa, essencialmente no que diz respeito “às políticas económicas que eu penso que têm sido, ao longos de 28 anos, um erro muito grande. Têm sido verticais, ou seja baseadas na autarquia, que com um determinado presidente passou a ser o maior empregador. Mudou o presidente, que continua a ter muita dificuldade em perceber que tem que haver uma inversão dessas políticas económicas, ou seja, temos que dar azo a que a iniciativa privada se fixe. E que a iniciativa privada empregue. Não temos hoje empresas com mais de 250 trabalhadores. E isto é que é realmente importante. Estes autarcas até tinham à época a noção de que essa era a forma de inverter essas políticas económicas mas nunca foi esse o passo, nunca foi essa a forma de pensar”. Para o candidato do CHEGA é urgente uma intervenção neste domínio, que tem aberto caminho a um acentuado decréscimo da população, que está a levar ao empobrecimento do concelho, em resultado do abandono dos jovens, com o consequente envelhecimento populacional, o que obriga a uma necessária política de apoio social, que considera que tem que ser reforçada, mas que exige também medidas adicionais que invertam essa tendência. Apoiado nos números dos censos realça que “a população está cada vez mais envelhecida e as consequências são catastróficas. Nós tivemos, até 2013 seis anos com saldos negativos, ou seja, a receita inferior à despesa. Sabemos bem porquê. Deve-se em boa medida à aplicação de subsídios aos idosos e às pessoas necessitadas. É evidente que uma população com estas características obriga o executivo a ter que se virar mais para as políticas de apoio social, mas há a consequência do aumento da despesa”. Lérias Trindade considera importante manter essa linha de apoio, em paralelo a um trabalho de repovoação do concelho que tem que ser iniciado rapidamente, com vista a criar riqueza e a tornar Elvas atractiva para a fixação de jovens casais. “Temos que implementar políticas que motivem as pessoas a criarem aqui raízes. Há que criar emprego”. Até lá, insiste na necessidade de reforçar a acção social, “e para isso nós temos no nosso programa algumas ideias muito interessantes com vista a aumentar o apoio aos idosos, porque temos noção de que há muitos que vivem muito isolados no dia-a-dia, e com inúmeras dificuldades”.
Os principais vértices do projecto eleitoral
José Lérias Trindade estabelece vários itens que correspondem às áreas chave de um programa esquematizado de acordo “com alguns eixos muito importantes”. O primeiro, que já referiu, tem a designação de “Empresas / Emprego”, assenta na adopção de uma estratégia de captação de investidores que envolve uma multiplicidade de intervenientes, com vista à fixação de grandes empresas, mas também de olhos postos nas que já existem . Fala da criação do “GERE – Gabinete de Estudos e Reestruturação de Elvas” como plataforma de agregação de sinergias onde pretende envolver vários agentes num plano de desenvolvimento económico. “É um gabinete que nós queremos desenvolver onde devem participar os representantes das entidades privadas, como a Associação Empresarial de Elvas, que no meu ponto de vista está a trabalhar muito bem. Queremos também envolver o IEFP, a Escola Agrária, a Escola Secundária, a sociedade civil, para que rapidamente possam surgir soluções em vários textos e vários formatos. O objectivo é dar condições a este gabinete para o surgimento de ideias que se traduzam na aplicação de soluções. Não podemos estrar só dependentes do poder político. Sabemos que é quem toma as decisões, quem aplica as soluções, mas devemos ouvir muito a sociedade civil”.
“Turismo” e “Património / Cultura” é um interface a que José Lérias Trindade pretende dar ampla cobertura. “Temos um património riquíssimo. Um património cultural, religioso, militar. Penso que tem que ser feito um investimento mais intenso e mais profundo a este nível”. Na área do turismo aposta “na contratação de alguém externo à Câmara que tenha o know how, o operating, que tenha o conhecimento que englobe as agências turísticas e uma série de outras valências. Alguém que tenha alguma influência e que possa colocar Elvas como destino fixo e não de passagem. Pelo que tenho lido o turismo está a mudar também devido a esta pandemia. As pessoas estão a fixar-se mais nos pontos de referência, a fazer menos deslocações. Nós temos que lutar muito para deixarmos de ser um ponto de passagem entre Évora e Espanha. Sabemos perfeitamente que as pessoas ficam aqui um ou dois dias, não mais que isso. Há a necessidade de trabalhar muito para que fiquem aqui quatro, cinco noites”. Fala da aposta na criação de roteiros que incluam as freguesias. “ Temos que dar a conhecer todo o concelho. Não é só a cidade que é rica em património. As freguesias também têm muito para dar”. Uma tarefa que na opinião do candidato do CHEGA deve ser confiada “a quem tenha o conhecimento profundo da situação”.
Paralelamente José Lérias Trindade propõe-se “trabalhar muito na área da cultura”. Destaca o trabalho “de duas associações muito válidas que estão a desenvolver uma actividade muito interessante e eu penso que podemos alargar isso. Fazer um formato conjunto com a parte turística, que envolva algumas dessas associações”. As ideias que lhe afloram passam por redesenhar roteiros que tornem visíveis vários pontos da cidade, para além dos mais comuns. “Não devemos fixar- -nos só na Praça da República. Podemos, por exemplo, fazer pequenos teatros de rua em vários pontos, para cativarem as pessoas. Enquanto vão a uma loja, ou tomar um café estarem acompanhadas por um determinado espectáculo. Espectáculos curtos, mas que digam algo da nossa cultura, focados na região do Alentejo”.
A atenção ao ambiente e a gestão criteriosa dos apoios sociais
“Ambiente, Higiene e Limpeza” é uma das áreas a que o candidato do CHEGA atribui grande importância. “Temos que criar um gabinete muito técnico com o objectivo de tentar promover em Elvas um ambiente mais sustentável”. Começa por definir o conceito de sustentabilidade, como sendo “a capacidade de usarmos o que nos é dado sem o esgotarmos para as gerações futuras” e anuncia que pretende realizar um trabalho profundo e permanente com este intuito. Considera que há muito por fazer e que é uma área onde identifica inúmeras lacunas. Esclarece que não pretende realçar o que está a ser feito de emergência por ser época de campanha eleitoral. “Não quero entrar por aí, porque não sou político, mas deteto várias falhas e erros neste campo, que vêm detrás, e que ilustram a necessidade de motivar as pessoas para a alteração de hábitos. Em Vila Boim, e não é com certeza apenas nesta freguesia, vejo (até nas redes sociais) que as pessoas depositam o lixo de forma descuidada. Abrem os sacos, deixam cair o lixo para o chão. Isso acontece muito e tem que ser contrariado. Os cidadãos devem ser sensibilizados e tem que haver fiscalização”. Aposta na criação de um gabinete que desenvolva uma actividade em todas as freguesias. Considera que esta é “uma atribuição do poder local”, que se deve encarregar de formar e sensibilizar os munícipes. “É muito fácil, mesmo em tempos pandémicos, fazer a convocação de meia dúzia de pessoas de cada vez. Não precisam ser todos da mesma rua, porque depois podem levar a informação e transmitir aos vizinhos. Trata-se de serem fornecidos alguns dados a nível de civismo que devem ser semeados na comunidade, para que sejam anulados e corrigidos determinados gestos que prejudicam o ambiente. Explicar que não são os senhores do lixo que andam de pá e vassoura na mão a apanhar os detritos que ficam no chão. Eles têm um trabalho que tem que ser feito naquele timing e que se resume a pôr o contentor na máquina, e o resto fica por ali”.
“Família, Saúde, Acção Social e Voluntariado” é uma gaveta única onde cabe uma acção múltipla e concertada que José Lérias Trindade pretende exercer em permanência. No campo da acção social começa por referir o cuidado que faz questão de ter em salvaguardar a privacidade dos que necessitam de ser ajudados. “Gostaria de dizer que com a nossa lista na Câmara essas pessoas não irão aparecer em fotografias em jornais, ou serem identificadas na rádio a receber cabazes e ajuda. No meu ponto de vista, inclusivamente como católico, isso não é digno. Não deve ser feita publicidade. Esses apoios devem ser prestados, sem dúvida, mas de forma anónima”. Realça o propósito de continuar a dar atenção e até em reforçar os apoios aos mais necessitados, que deverão “receber toda a ajuda possível. Desde medicamentos, passando pela visita diária às pessoas que estão sozinhas e isoladas. A viúva, o viúvo, o idoso. Achamos importante haver um enfermeiro, um fisioterapeuta por centro de saúde, que também devem dar apoio aos lares. Há também quem esteja em casa e necessite ser auxiliado na toma dos medicamentos. Muitas vezes os idosos perdem noção da forma como têm que tomar a medicação, e necessitam ser orientados. O apoio na electricidade e na água, também deve continuar”. Anuncia outro ponto do programa que prevê “a abolição imediata do IMI para todos os bombeiros que residam em Elvas. Essa é uma medida muito importante”.
RSI e Fiscalização são palavras que José Lérias Trindade não dissocia uma da outra. “Fiscalizar com rigor a obtenção do Rendimento Social de Inserção (RSI) é uma competência que a Câmara deve assumir. Os outros rendimentos competem ao Estado, que os atribui de acordo com determinadas regras. O Rendimento Social de Inserção é o benefício que a Câmara pode controlar. Deve verificar, acompanhar e fiscalizar quem o obtém, e averiguar se lhe é devido. Somos apologistas, por maioria de razão no actual contexto em que não há capacidade de emprego, que a pessoa deve ter o seu rendimento se não consegue encontrar trabalho, mas do nosso ponto de vista fará meio dia de trabalho comunitário e no outro meio dia deverá procurar emprego. No fundo acaba por ser uma hábito que se adquire, ir procurar trabalho. Ao fim de um ano, se não conseguir de maneira nenhuma arranjar ocupação, a pessoa tem que ser colocada a fazer um determinado serviço a tempo inteiro”. De que forma isso será possível quando não há empregabilidade? O candidato a presidente da Câmara tem pensada uma solução que reflecte a “preocupação de trabalhar em vários patamares. Um dos caminhos, por exemplo, é recriar as hortas comunitárias. Tentar perceber onde temos terrenos nas freguesias que permitam pequenas instalações. Muitas dessas pessoas podem ser encaminhadas e motivadas para garantir um primeiro emprego ou até abrir caminho a que comecem a trabalhar por conta própria”.
Um projecto de campanha sem uma forte traço ideológico
Questionado sobre o carácter ideológico do programa, José Lérias Trindade sublinha que o plano de trabalho que apresenta ao eleitorado “tem alguma complementaridade da equipa que me acompanha, de quem tenho um grande apoio, mas não tem a ver com carga ideológica. Comecei a trabalhar nestas ideias no anterior confinamento. Iria ser apresentado por outra força política, mas isso não aconteceu. É evidente que tenho que referir, sendo de direita, sendo cristão, há valores que tenho que defender. Mas este programa é do povo e para o povo, é para a população, por isso entendo que não tem uma forte carga ideológica. Aceitei o convite e decidi seguir este trajecto, porque dentro da minha filosofia de vida, da minha educação e dos meus ideais me revejo em algumas ideias do CHEGA, mas não concordo com tudo em pleno”. Esclarece que em determinados aspectos se coloca do lado do partido, “porque a lei é permissiva e fomenta alguns acontecimentos”. Por iniciativa própria faz questão de clarificar que “em relação às etnias, particularmente a etnia cigana, nós não queremos de maneira nenhuma expulsar e maltratar as pessoas.” Realça que Elvas foi um dos oito concelhos do país que aceitou participar no programa ROMED, criado com vista à integração das comunidades ciganas, mas que suspeita que pouco tem sido feito para efectivar o propósito de inserção. “Sei que o programa se desenrola em torno de cinco ou seis vectores como a cultura, o ensino, a saúde, a exclusão social. Trata-se de assegurar que estas pessoas têm acesso ao ensino, que procuram cuidados médicos com maior regularidade… Em Elvas o que tem sido feito? Conheço o exemplo da Figueira da Foz, onde em 2019 conseguiram colocar oito pessoas de etnia cigana a trabalhar em empresas. É um resultado espectacular, e demonstra que o programa pode ter um efeito muito positivo. Claro que quando há incumprimentos, quando a lei é infringida, tem que haver consequências”.
O que espera no dia 26 de Setembro e o único candidato a quem dava o voto se não estivesse na corrida
“Entrei nisto com a ideia de ganhar, de fazer passar a mensagem. Obviamente que na vida tenho ganho e tenho perdido. Tem sido assim tanto a nível pessoal como empresarial”, afirma José Lérias Trindade que se diz focado em transmitir as ideias que tem “de forma amena, sem entrar em polémicas ou conflitos. Eu nunca fui de conflitos. Há quem tenha essa vocação e se saia bem. Penso que quando se segue esse caminho, se tende para o disparate. É evidente que tenho noção de que estou aqui há 12 anos. Muita gente não me conhece ainda”. Acrescenta a este facto o avanço com que partem “as forças políticas que têm governado a Câmara. Ora se estou a receber um subsídio, se não consigo trabalho e me pagam a electricidade, dão-me ajuda, pois eu tenho que votar nestas pessoas. É normal que haja este tipo de raciocínio e que exista o voto da subsidência. Num concelho pobre e envelhecido é evidente que o voto fica muito dado”. Sem esmorecer, propõe-se trabalhar “para mostrar as nossas ideias e as nossas convicções” e impõe uma meta: “temos consciência de que a presidência é difícil, e assim sendo eu quero lutar por dois vereadores”. Atingido esse objectivo e respeitando alguns parâmetros que tem traçados no programa, “em especial a alteração das políticas económicas”, admite a possibilidade de entendimentos, dando quase por garantido que terá dificuldade em alinhar com quem “pretende continuar a dar continuidade ao que já tinha feito e que não produziu os efeitos necessários”.
Para convencer o eleitorado a dar-lhe voto de confiança, o candidato do CHEGA reserva alguns trunfos para o cenário da campanha. No imediato opta por anunciar duas medidas que considera muito importantes. “A realização, talvez em Maio, de uma grande feira agro alimentar”, que deverá espelhar e dar apoio à agricultura, uma área que nos últimos anos se tem desenvolvido muito no concelho de Elvas. Pensa num certame misto, com os primeiros dias dedicados aos profissionais, que poderão promover os seus produtos “desde a produção de azeitona, transformação de azeite, produção animal, transformação, ameixa, calda, leite, iogurtes. É importante dar visibilidade a estas entidades, que são muitas, e ouvir especialistas. Os restantes dias serão abertos ao público em geral”.
A área da segurança é outro campo a que José Lérias Trindade pretende dar atenção. “Temos no nosso projecto a criação de um programa que permita que os elementos das forças de segurança, em atos de patrulha, possam tomar a sua refeição quer nos refeitórios do município, se houver, de empresas municipais, se houver, e nos refeitórios das escolas. Penso que é fundamental haver esta possibilidade, porque viabiliza a aproximação das forças de segurança aos jovens e à população em geral e estabelece a possibilidade de diálogo e de esclarecimento de alguma dúvida. É uma medida que eu acho particularmente importante para os jovens”.
Lançadas as cartas, com alguns trunfos na manga reservados para a fase avançada do jogo, pede-se ao candidato, que suponha que não era candidato. Se assim fosse, no exercício do dever cívico de que não se demitiria, em qual dos outros opositores colocava a cruzinha? Surpreendido com a questão, José Lérias Trindade procura ganhar tempo enquanto pensa. De sorriso nos lábios, fecha o caderno, tapa a caneta e afirma: “essa é uma boa pergunta, para a qual não vinha preparado. Deixe-me pensar mais um pouco”. Segundos depois toma a decisão, após referir que “em qualquer dos actos eleitorais, deve-se votar. Até o voto em branco não será muito correcto, a menos que as opções sejam francamente más. Caso se apresentassem apenas os dois candidatos que são os actores principais desta novela, esse voto em branco seria dado, sem qualquer problema. Havendo mais candidatos, e sendo eu de direita, aí provavelmente eu votaria na Paula Calado, no sentido de tentar minimizar as coisas e procurar dar alguma imagem a essa candidatura”. Posto isto, com certeza que não restam grandes dúvidas do lado para o qual pende o entendimento, caso o CHEGA atinja o objectivo mais alcançável de eleger dois vereadores. Só resta aguardar que o eleitorado se pronuncie.
Entrevista conduzida por Arlete Calais