Como disse Pequito Rebelo em A Terra Portuguesa de 1929, “Portugal é mediterrâneo por natureza, atlântico por posição.” É talvez a frase que melhor resume o clima em Portugal. Clima esse que é cada vez mais discutido, quer seja a propósito das alterações climáticas ou da mais recente situação de seca no nosso país.

Penso que surpreenderei alguns leitores ao afirmar que não chover no Verão é algo estranho para a maioria da população mundial. O clima mediterrâneo (não confundir com o Mediterrâneo que se refere à área geográfica do Mar Mediterrâneo) tem a particularidade de a estação onde mais chove (Inverno) e a estação onde os dias são maiores e as temperaturas são mais altas (Verão) serem temporalmente separadas. Nos climas temperados, tropicais, etc., tal não acontece e a estação das chuvas coincide com a estação com mais horas de sol diárias.

Esta fenómeno tem várias consequências, a primeira, e a mais agradável, são os Verões secos e de céu limpo que tornam os países com este clima num verdadeiro paraíso para os veraneantes. A segunda consequência é mais dramática, torna-nos muito maus para a agricultura. Algumas plantas e variedades agrícolas poderão apresentar maior produtividade, por exemplo a oliveira e outras árvores de fruto, como os citrinos, mas no geral não temos um clima apropriado à agricultura. As plantas necessitam de duas coisas para crescerem: água e luz. Se no mediterrâneo a estação das chuvas (Inverno) está separada da estação com os dias mais longos (Verão), significa que as plantas nunca têm os dois componentes essenciais ao mesmo tempo. Este problema tem sido mitigado fornecendo água de forma artificial através de poços, canais, rega manual, entre outros, nos meses mais secos, permitindo assim uma produção agrícola mais rentável do que a que seria de esperar só contando com a água da chuva.

A partir daqui tudo se complica, se as plantas não têm água na altura de mais luz, não se desenvolverão como as de outros climas. Temos uma flora dominada por plantas arbustivas e com folhas duras de forma a resistirem à seca. Essas plantas são menos nutritivas, o que torna mais difícil a criação de gado e a nossa própria alimentação.

Políticas de gestão dos recursos de água são necessárias porque como expliquei, nós como povo mediterrânico, já temos problemas sistémicos de falta de água e de secas. Contudo estas estão-se a tornar mais frequentes e intensas como consequência das alterações climáticas.

Uma das medidas que imediatamente nos ocorre é a construção de mais barragens e açudes. Não sou contra esta medida. Contudo ela apresenta vários problemas. O primeiro é que são necessários grandes investimentos financeiros para a sua construção, fazendo assim com que esta solução dependa mais dos recursos financeiros do que propriamente da necessidade de armazenar água. Além disso, as barragens apresentam impactos ambientais graves. Desde a destruição de ecossistemas até à quebra dos círculos hidrológicos e de transporte de sedimentos e nutrientes.

As barragens têm ainda uma segunda função, a produção energética. Nem sempre, mas esta função pode entrar em conflito com o armazenamento de água. Estou convicto de que em Portugal, e nos outros países mediterrâneos, teremos de abdicar de uma parte significativa da produção de energia através das barragens de forma a aumentar o volume de água armazenada.

Actualmente, o aumento da eficiência na utilização e no transporte de água são apontados como novas estratégicas preferíveis à ampliação da capacidade de armazenamento. Isto significa renovar as condutas e canais de transporte de água e inovação nos métodos agrícolas e industriais.

Gostaria também de apontar que a gestão do território constitui uma boa ferramenta de gestão de água. A decisão de onde e o que plantar, não impermeabilizar o solo em zonas ribeirinhas ou possíveis de serem alagadas têm um impacto positivo na gestão de água, bem como a reflorestação de áreas abandonadas e com graves problemas de erosão de solo. O aumento do coberto florestal permite reter mais água no solo, ficando esta disponível para as plantas.

A Humanidade enfrenta de forma desigual as consequências das alterações climáticas. Prevê-se que as regiões de clima mediterrâneo sejam principalmente afectadas pela diminuição da precipitação e que venham a ter episódios de grandes chuvadas com muito mais frequência. Mais do que fechar centrais a carvão, mais do que reduzir as nossas emissões de gases com efeito de estufa, prepararmo-nos para um futuro com menos água e com padrões de chuva irregulares deve, na minha modesta opinião, ser a principal preocupação dos próximos ministros do ambiente.

Paulo Sousa é biólogo Investigador em Biologia Evolutiva e do Desenvolvimento na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

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