Talvez ele se tenha esquecido, mais uma vez, de a coser aos pés, mas a verdade é que por terras lusas não se tem visto nem a sombra do Peter Pan. E bem que precisávamos dele…
Este país, que amo, tem-se tornado, aos poucos, na ilha do mais famoso livro de J. M. Barrie. Talvez se lembrem de ler o nome ou, se forem da minha geração, de o ouvir durante a reprodução de uma gravação analógica em formato VHS, “A Terra do Nunca”.
Na “Neverland” Lusitana, e na década de sessenta, iniciou-se a discussão sobre a construção de um novo aeroporto, disse bem, na década de sessenta. Na altura a alternativa falada era Rio Frio, mas meteu-se uma crise petrolífera pelo meio. Vários anos e possíveis localizações volvidas, quando é que essa construção começou? Nunca.
Só numa terra assim se poderiam passar 60 anos após uma ideia ter surgido, entre as paredes dos organismos de governação, sem nunca ter sido levada a cabo. E se é verdade que está na moda discutir este assunto, também o é que, infelizmente, o caso não é singular.
Olhemos para a implementação do transporte ferroviário. A sua construção começou ainda no século XIX, com a primeira ligação entre Lisboa e o Carregado. Seguiu-se um desenvolvimento acentuado até se sentirem os primeiros impactos económicos da primeira guerra mundial. Caminhamos para a frente uns anos, depois da entrada na Europa, a CP, já nacionalizada, orientou os fundos europeus para o investimento nos eixos principais enquanto as ligações a capitais de distrito iam caindo umas atrás das outras. Com centenas de quilómetros de linha fechados, o destino estava traçado, enquanto Portugal continuava a isolar o interior. Sempre focado na capital, eram avançadas, nas campanhas eleitorais, promessas de unir o país por comboio e atirados para cima da mesa projectos de linhas de alta velocidade. Nem o primeiro nem o segundo vieram a acontecer. Nunca.
Vale-nos que, pelo menos, temos saúde. Quer dizer, alguns terão. Há anos que ouvimos dizer que “o interior do país está na agenda” de ministros e secretários de estado da Saúde, mas a verdade é que se não fosse a dedicação e persistência de profissionais do ramo, que mesmo abandonados em edifícios sem condições se recusam a baixar os braços, ou as doações de quem não se esquece do próximo (e nós não esqueceremos quem não se esqueceu de nós, mesmo depois de partir), o interior não teria forma de garantir oferta de Saúde a quem vive longe do olhar de quem governa.
A saúde no interior está na agenda, mas quando é que passa para cima da mesa de trabalho? Nunca.
Para os lados do Crato, milhares acreditaram numa construção que revolucionaria a sua forma de viver e que lhes lavasse as mãos sujas de terra seca. Pois bem, se hoje a barragem do Pisão parece ser uma realidade (veremos), não esqueçamos que muitos adormeceram sem nunca ver uma pedra erguida. Para esses, o Pisão nunca chegou a ser, nunca.
A nossa terra, onde tudo pode um dia vir a ser, até pode ter bons solos, mas as sementes só saem do saco para o chão do quintal de quem semeia.
Que o digam os enfermeiros e médicos, os polícias e os professores, fartos de ouvir que a sua vida vai mudar, mas mudou? Nunca!
Que o digam os estudantes com promessas de amanhãs risonhos, direcionados para venturas académicas inadequadas para a matriz empresarial e para as necessidades actuais do país. Quando é que o futuro com que sonharam chegará em Portugal? Nunca!
Coitado de D. Sebastião. Talvez el-rei tenha até regressado neste século ou no passado mas, depois de um olhar atento, tenha decidido dar meia volta ao seu cavalo branco e partir (como estava nevoeiro ninguém deu por ele).
Portugal, que descobriu o mundo, hoje navega numa das suas Naus a descobrir coisa nenhuma.
Não temos rumo nem Comandante e, provavelmente, o leme até já foi roubado juntamente com o recheio do navio, tornando praticamente impossível a tarefa de quem se arrisque a subir as escadas e a colocar as mãos no timão.
É com orgulho que dizemos que Portugal é o País da esperança, mas não podemos ter só esperança que tudo mude. Temos de ser nós próprios os agentes dessa mudança. Cada um, à sua forma, a exigir diferente, a querer melhor. Recuso-me a acreditar que estamos condenados a viver reféns de políticas que nunca levam a lado nenhum.
Se só nos resta esperar que o Peter Pan venha para que os meninos perdidos se libertem e possam crescer, importa lembrar que só resulta se quisermos, acreditarmos e fizermos por isso (e um bocadinho de magia também ajuda).