É urgente uma cultura de atenção e de cuidado em todos os lugares

  1. Cultura da atenção nos bairros sociais

Desde há alguns anos, que visito, quase diariamente, os bairros sociais da cidade e do Concelho de Elvas

Humildemente devo confessar e estou bem dentro das suas realidades e problemáticas. Associamos à palavra “periferias” os bairros sociais a abarrotarem de gente pobre, com problemas graves de habitação, desempregados ou incapazes de assumir um emprego estável, onde as crianças e adolescentes tem problemas escolares, como o abandono escolar, o desinteresse pelo estudo, a falta de motivação etc. As famílias, são normalmente disfuncionais, monoparentais, com problemas de divórcios mal resolvidos, os maridos presos, a droga a ser vendida à porta de casa, as crianças a serem institucionalizadas por falta de condições para serem cuidadas na própria família que não existe ou não pode cuidar.

Mas, no meio desta amálgama de problemas, também encontramos pessoas e famílias que resistem que marcam a diferença, que se ajudam e nos ajudam a estar atentas a saber olhar, a olhar sobretudo com olhos de Deus, comprometendo-nos e ajudar as famílias, qualquer tipo de Família, a serem agentes ativos da própria mudança, acreditando que um mundo melhor é possível, a serem solidárias e amigas na linha da grande Encíclica d papa Francisco, a FRATELLI TUTTI.

É nestes bairros que, por vezes, dizemos que vivem “os preferidos de Deus”, que como diz o Papa Francisco “são os pobres, os excluídos, os marginalizados, os descartados, os humildes, os indefesos. São eles o tesouro da Igreja, são os “preferidos de Deus”

  • Alargar a cultura de atenção ao centro da cidade

Se há muitos anos conheço a realidade dos bairros sociais, pelo envolvimento em projetos sociais que vão de encontro às suas realidades e nos afinam o olhar e a atenção para ajudar as pessoas na sua transformação e mudança para melhor, também há muito que tenho consciência que temos de alargar o circo da nossa atenção para o centro da cidade e descobrir aí, também, as “outras periferias”, onde estão também os “preferidos de Deus”

Esta cultura da atenção comporta, um movimento de interiorização e de reflexão. Não se trata, com efeito, apenas de ver, mas de parar, de permanecer, de fazer perguntas: Será que os “preferidos de Deus “estão apenas nos bairros sociais?

 O Evangelho segundo Lucas em relação ao episódio de Zaqueu, quando afirma que “Jesus atravessava a cidade” ajuda-nos a refletir. Temos que “atravessar” o interior e o centro das nossas cidades com uma cultura do olhar afinada e reflexiva. Também, no centro das cidades existem “periferias”, com “preferidos de Deus” , que esperam a nossa ajuda, a nossa atenção e a nossa presença. Quero chamar a atenção para duas realidades com as quais tenho lidado, ultimamente, e que me levam a concluir que as “Periferias” estão em toda a parte:

  • Pessoas “acomodadas” economicamente, mas sozinhas

Nas visitas que faço a pessoas idosas, juntamente com outras voluntárias, no projeto “Coração d’Ouro”, sobretudo com a missão de escutar e dar a comunhão a quem quiser, encontro muita gente sozinha e abandonada com a sensação de que estão a mais, que não fazem falta, que não contam para nada… É a solidão dos idosos, que até têm dinheiro, mas que ninguém procura, ninguém ama, e se procuram é pelo que têm e não pelo que são.

Normalmente são pessoas com pouca família, os filhos fora da cidade e até do país “não têm tempo” para visitar, estar, escutar, amar. Vêm à pressa, com o telemóvel e outras redes socias sempre ligadas, resolvem questões económicas, arranjam quem os substitua nas lides da casa, nos cuidados da saúde, quem marque presença durante o dia e a noite, pagam e vão-se embora.  Naquelas “casas ricas”  falta a riqueza da saúde, falta a saúde, da presença serena da família, faltam afetos, falta uma “Igreja viva”, cuidadora e amiga. Falta o nosso olhar contemplativo e a dimensão espiritual e teológica para descobrir a presença de Deus escondida no drama humano do sofrimento e da solidão. Quando partilho com outros e outras estas situações, e sinto que paira no ar um ambiente cheio de indiferença, individualismo e egoísmo, incapaz de entender que os valores da vida autêntica se encontram em acolher, escutar e respeitar a dignidade humana, cuidar e servir os mais humildes, neste caso os doentes e sozinhos. Muitas vezes, nestes casos o final não é feliz. Fecham-se em casa, perdem o gosto pela vida, deixam-se morrer sozinhos ou cometem suicídio.

  • Migrantes e refugiados que ocupam os “buracos” do centro da cidade

 Outro problema dramático, verdadeiras “periferias” no centro da cidade, são a situação dos migrantes e refugiados. Chegam à procura de trabalho e o primeiro problema é encontrar uma casa com renda acessível, habitável e digna. Não encontram. Como costumo dizer, encontram um “buraco” vazio, sem nada dentro, sem móveis, sem eletrodomésticos, sem roupas e pelo qual pagam um balúrdio. Como não têm ainda emprego, não têm dinheiro para pagar, juntam-se com outros e numa casa já pequena para uma ou duas pessoas chegam a viver sete ou oito. Passam frio, passam fome, a Segurança Social e as instituições estatais não conseguem resolver todos os seus problemas e recorrem a particulares e a instituições sem fins lucrativos que ajudam com o que podem para que possam  sobreviver enquanto não encontram emprego que os ajude a fazer face às despesas, o que quase nunca acontece. Muitos dos trabalhos que encontram são sazonais, trabalham um tempo, depois param e não podem assumir compromissos com rendas, transporte para o trabalho, etc. São mal pagos, não têm contrato de trabalho, não podem constituir uma família onde os direitos humanos sejam respeitados.

Não podemos viver de “portas fechadas” para estas realidades como diz o papa. O nosso olhar, as nossas atenções têm que ser uma “porta aberta” de consolação, de ajuda e de paz.

“Viver em saída”, como nos é pedido constantemente pelo Papa Francisco, significa tornar-se, como Jesus, uma “porta aberta”. É triste e dói ver portas fechadas (…), as portas fechadas da nossa indiferença em relação a quem está no sofrimento e na pobreza, as portas fechadas a quem é estrangeiro, diferente, migrante, pobre”… Sejamos “abertos” e inclusivos uns com os outros, para ajudar o mundo a crescer na fraternidade, caminho da paz.

          Em todos os lugares, bairros sociais, centros da cidade, lugares de luxo e casas apalaçadas há sofrimento, solidão, pessoas descartáveis, sem calor humano, carinho e afeto.

          Aí estão as periferias do mundo e “os preferidos de Deus”. Aí está Jesus abandonado. Aí tem que estar o nosso olhar atento e fraterno. Aí tem que estar a nossa tenda de Encontro com Deus…


ORAÇÃO POR QUEM SOFRE…

Jesus

Amigo de pobres e pecadores tão pertinho da minha porta e às vezes tão longe do meu coração, do meu olhar e da minha ajuda…

Ilumina os meus olhos, aquece o meu coração, abre as minhas mãos, para que vá em teu socorro, que estás nos que sofrem, nos invisíveis, nos que vegetam nas sargetas da vida…

Dá-me a graça de descobrir a grandeza dos indefesos procurando, como Maria, dar-me conta de que Tu exaltas os humildes…

 Meu Deus

O meu peito aperta sempre que vejo alguém sofrer e, hoje quero apresentar todos os que estão em alguma situação de sofrimento:

*O Sofrimento dos que se sentem sozinhos e abandonados e em solidão e se refugiam no álcool, nas drogas, nos vícios e no vazio.

*O sofrimento dos que não encontram sentido para viver e desistem de lutar pelos sonhos, pelos objetivos, pela vida.

* O sofrimento dos que não têm uma habitação condigna ou um trabalho dignamente remunerado para fazer face ao sustento dos seus.

* O sofrimento dos que são acometidos por doenças físicas ou psíquicas e desesperam perante a sentença de “incurável”

* O Sofrimento dos que sentem que não fazem falta, que pensam que estão “a mais” num mundo que parece indiferente ao sofrimento humano.

Senhor, rico em Misericórdia e proximidade, hoje quero pedir-Te, que me ensines a aproximar-me, com ternura e amor, dos que sofrem o desemprego, a falta do básico para viver, a desarmonia dos seus lares, a privação da liberdade, a dureza da imigração, a identidade de refugiados, a tristeza profunda da perda dos entes queridos, a angústia da exclusão social e o medo, e dos que têm estampado no rosto o sofrimento de um futuro incerto e de um caminho sem orientação e luz.

Sei que tudo isso, é possível de ser superado, se nos revestirmos de compaixão e fraternidade, se dermos as mãos e caminharmos juntos na Esperança.

Por isso te rezo:

Toma nos teus braços de Pai, os sofrimentos de todos os teus filhos e filhas. 

E dá-nos um coração generoso, para não sermos indiferentes ao sofrimento humano, sairmos da nossa zona de conforto, e levarmos o Teu bálsamo e a Tua presença junto de quem experimenta algum tipo de sofrimento.  

Que os nossos gestos, atenções e atitudes ajudem a todos os que sofrem a sentirem-se muito amados por Ti. Ámem.

Maria de Fátima Magalhães stj

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