Na freguesia de São Vicente e Ventosa, em Elvas, onde o Chega conseguiu mais de 28% dos votos em 2022, há quem acredite que o partido de André Ventura já ameaça a hegemonia do PS.
É o próprio presidente da junta de freguesia, o socialista João Charruadas, que, em declarações à agência Lusa, não esconde a preocupação com a subida das intenções de voto no Chega.
“Quem vai a um sufrágio eleitoral tem que pensar até nas outras forças políticas e no acréscimo que tem vindo a ter o Chega gradualmente nesta freguesia”, pois, em pouco tempo, passou de “zero para 90 ou 100 [votos]”, realça, acrescentando: “Tenho que me preocupar”.
Elvas foi o concelho do país onde o Chega conseguiu maior percentagem de votos nas legislativas de 2022, com 18,73%, atrás de PS (46,52%) e de PSD (19,63%), conquistando o segundo lugar em cinco das sete freguesias.
Foi assim em São Vicente e Ventosa, que tem cerca de 1.000 habitantes, em que o Chega atingiu mesmo os 28,28% (97 votos), apenas atrás do PS (47,52%).
A cumprir o segundo mandato como presidente da junta, João Charruadas diz que São Vicente e Ventosa “é uma freguesia de esquerda”, tendo em conta que, desde o 25 de Abril, apenas num mandato foi liderada pelo PSD e nos restantes por PS e CDU.
Contudo, admite o autarca socialista, “nota-se uma revolta” das pessoas com os partidos que têm governado o país e até com o Presidente da República e “mostram isso na votação, nesta freguesia, no Chega”.
“É uma freguesia com pouca percentagem de desemprego e, se calhar, será isso também. Como são pessoas que têm vínculo de trabalho, têm o ordenado ao final do mês e, depois, queriam ter condições de vida um bocadinho melhores”, sustenta.
Em São Vicente, a maior das três povoações da freguesia, a azáfama é grande junto à sede da junta. A carrinha do pão acabou de chegar e há clientes a caminho, enquanto funcionários procedem ainda à limpeza da rua após as festividades do carnaval.
Maria Rita Poejo, de 85 anos, já leva o pão para o almoço e, no caminho para casa, confessa à Lusa que tem ouvido o que dizem os candidatos na televisão, mas ainda não sabe em quem vai votar.
“Sempre tenho votado num, mas, agora, não sei em quem será. Eles são todos iguais”, remata.
Na mesma zona da aldeia, Fausto Martins revela à Lusa que é militante do Chega e que não tem dúvidas sobre o seu voto no dia 10 de março: “Posso dizer que votei sempre no Partido Comunista, mas enfadei-me [cansei-me] da estupidez e mudei.”
“As pessoas que votam no Chega são aquelas que andam a trabalhar e uma parte do ordenado vai para esses que se levantam às 10:00, com telefones de 1.000 euros, que vão tomar o pequeno-almoço às pastelarias e andam a gozar o dia inteiro”, atira.
Fausto, que já esteve nas mesas de voto em representação do Chega, atribui o aumento da votação na freguesia ao descontentamento das pessoas e espera que a subida dos votos possa continuar, “porque senão isto não muda”.
Numa esquina da rua principal de São Vicente, José Rainha, que aproveita o sol na companhia de um vizinho, considera “muito natural” que o partido de André Ventura continue a subir a votação na freguesia.
“Com o meu voto não ganha nada. O meu voto é socialista e é socialista que continua a ser, até porque só tenho a dizer bem deles”, esclarece, vincando que melhor que o ainda primeiro-ministro, António Costa, “só Mário Soares”.
Nesta freguesia rural do concelho de Elvas, serão os mais novos que votam no Chega e Maria José Pedro, que se encaminha para um minimercado, dá como exemplo a sua neta de 19 anos, que já lhe perguntou em quem votava e lhe disse: “avó para nós é o Chega”.
“Eu dizia assim ‘eu não gosto desse homem, não voto nele’, não sei se foi de o ver de repente ou vê-lo a brigar, mas hoje já não tenho essa ideia e não digo que não gosto”, refere, notando que André Ventura mudou e já “fala melhor com as pessoas”.
A tendência de voto dos jovens da freguesia no Chega é atestada por Mário Gonçalves, também militante do partido, para quem “uns votam por graça, outros porque está na moda”.
Portugal vai ter eleições legislativas antecipadas em 10 de março, marcadas pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, na sequência da demissão do primeiro-ministro, António Costa, em 07 de novembro, alvo de uma investigação do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça.
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