São poucas as histórias de amor as que ouvimos entre adversários desportivos. Principalmente no futebol.
Confrontos entre equipas em vez de competição, claques insidiosas e nada asseadas nos comportamentos, vómito contra o treinador da equipa adversária, contra o árbitro e a mãe dele, insultos contra os jogadores, discussões de café à volta da bola, comentadores com bocas espumantes… são uma mancha negra na paisagem.
Ainda me lembro do momento em que o sportinguista Dias Ferreira, depois de uma discussão acesa com o jornalista Paulo Garcia, abandonou o programa “O Dia Seguinte” da SIC Notícias em direto, e nunca mais lá pôs os pés, depois de ambos se terem dado ao luxo de dizer que não se gramavam mutuamente. (E abro parênteses para dizer que podia ter sido outro qualquer do Benfica ou do Porto, antes que me soltem o Rottweiler em cima). Isto para não falar nos confrontos físicos, entre adeptos que já chegaram ao cúmulo de provocar mortos. E não tão grave quanto isso, mas completamente absurdo, depois de esgotada toda a aleivosia contra as outras equipas, se virarem contra o próprio clube, e seguirem todo o ritual de ignomínias proferidas contra o adversário, mas contra os seus, dentro da própria “casa”, a agitarem lenços brancos, aos assobios e a pedirem para rolarem cabeças.
Uma vergonha!
Dado o panorama, não posso deixar de aproveitar para enaltecer os antípodas deste pântano. Um gesto que só pode vir de um lugar de grandiosidade que faz pendant com as provas dadas de se pertencer a outro planeta e a outra galáxia.
Há uma imagem dos Jogos Olímpicos, que vai seguramente ficar para a história.
No momento em que era feita a entrega da medalha à ginasta brasileira Rebeca Andrade, pelo ouro conquistado no solo, a norte-americana Simon Biles e a compatriota Jordan Chiles surpreenderam e emocionaram com um gesto de reverência à brasileira. Mais tarde, as americanas explicaram aos jornalistas a razão do gesto e deixaram rasgados elogios à adversária.
“A Rebeca é tão incrível, é uma rainha. Primeiro que tudo é um pódio só com mulheres negras, o que é muito empolgante para nós. Nesse momento a Jordan disse-me: ‘vamos fazer-lhe uma vénia’? Eu fiquei tipo: ‘com certeza! E ela: ‘Vamos fazer isso agora?’ Foi por isso que nós fizemos isso. Mas é tão emocionante vê-la. E também tinha todos os fãs na multidão sempre a torcer por ela. Então, era a coisa certa a fazer. Ela é uma rainha”, disse a ultra medalhada e genial Simon Biles.
Um gesto exemplar, de elevação, respeito e apreço que drena, depura o que deve ser o desporto: a valorização da excelência e não ter receio nem vergonha em aplaudir o adversário no momento em que ele conseguiu ser melhor que nós, sem que isso nos derrube na capacidade de continuarmos a trabalhar e a acreditar que na próxima vez vamos ser nós a vencer.
Voltando ao futebol, foi bonito de ver a guarda de honra que os jogadores do Futebol Clube do Porto fizeram à equipa do Sporting, no sábado, depois de terem vencido a Supertaça, numa inesperada reviravolta ao resultado. Foi também uma reverência, um gesto que espero que seja repetido e intensificado, com um final à vista: reprogramar e reabilitar a essência do que tem que ser este desporto, que é competir de forma limpa e sem ódio.