No passado dia 8 de outubro de 2024, o primeiro-ministro português apresentou ao país o Plano de Ação para a Comunicação Social, tendo não só apresentado as medidas que constituem o mesmo, mas onde também teceu algumas afirmações que indignaram vários profissionais da área e gerou uma onda de protesto em vários órgãos de comunicação social.
O plano anteriormente mencionado tem como objetivo, de acordo com o próprio Governo, “implementar um conjunto de ações que cumpram a missão de contribuir para assegurar a sustentabilidade, o pluralismo e a independência da Comunicação Social em Portugal, promovendo um ecossistema mediático robusto, transparente e de referência.”.
Há, de facto, propostas no documento que vão justamente ao encontro disso e que, quando concretizadas, se revelarão bastante benéficas não só para os órgãos em causa, como também para quem os consome. Estamos a falar, por exemplo, da contratação de profissionais qualificados, com vínculo sem termo, sendo a sua renumeração igual ou superior àquela estipulada para um trabalhador que detenha o nível 6 do Quadro Nacional de Qualificações. Assim como, a valorização das rádios
locais, apoios à distribuição de publicações periódicas em zonas de baixa densidade populacional, distribuição de assinaturas digitais, entre outras. Desta forma, este pacote de medidas parece bastante benéfico; e, em quota-parte, até o é, uma vez que poderá vir a tornar a carreira jornalística mais aliciante e a prática da mesma mais segura e com acesso a mais recursos.
No entanto, aquilo que se propõe aplicar à RTP parece-me ir um pouco contra esta ideia de garantir que os órgãos de comunicação social portugueses tenham melhores condições na prática das suas funções. Vejamos, os canais televisivos, especificamente (sendo que esta questão se estende aos demais órgãos mediáticos),retiram a maioria das suas receitas dos anúncios publicitários que transmitem; isso não
significa que gostem de o fazer, aliás, de certa forma, acredito que os mesmos gostassem de ter uma maior independência e margem de manobra. E acontece que, neste plano apresentado pelo Governo está discriminada a eliminação gradual de publicidade comercial na RTP. Falamos de um canal que apenas exibe 6 minutos de publicidade por hora, o que não me parece algo tão problemático, como referira o
primeiro-ministro, já que para este isto contribui para que a RTP esteja refém das audiências, podendo isto colocar em causa a qualidade dos programas transmitidos.
Simultaneamente, estamos perante uma estação cujo serviço público prestado é dos mais baratos da Europa, tal como é sublinhado pelo Conselho Geral Independente da RTP. Além disso, Nicolau Santos, atual presidente da RTP, prevê que esta medida poderá causar um prejuízo de 7 milhões de euros anuais à estação televisiva, até 2027. Será o governo português capaz de colmatar esta perda ou estaremos a assistir ao início do fim da televisão pública em Portugal?
A cereja no topo do bolo desta conferência, intitulada “O Futuro dos Media”, foi justamente os comentários tecidos por Luís Montenegro acerca da prática jornalística. O mesmo afirmou que “os senhores jornalistas não estão a valorizar a sua própria profissão” por, alegadamente, aquando de entrevistas receberem perguntas que lhes são sopradas através dos auriculares que usam ou então enviadas via telemóvel; ou seja, resumidamente, os jornalistas não fazem o seu “trabalho de casa” e estão a ser “corrompidos” por algum outro poder. Ademais, apresentou-se, ainda, um tanto preocupado com a existência de uma comunicação social pouco tranquila na forma como transmite a informação, já que isto, normalmente, é feita de forma ofegante.
Contudo, a entrevista conduzida por Maria João Avillez, que foi para o ar, na SIC, nesse mesmo dia, não pareceu nada ofegante para o senhor primeiro-ministro, que inclusive disse que uma entrevistadora como ela lhe facilitava o trabalho, já que ao fazer a pergunta, também estava a dar a resposta. Creio que as ilações a tirar deste parágrafo sobre aquilo que, não só Luís Montenegro mas tantos outros políticos, gostariam que o jornalismo fosse são um pouco óbvias; ainda assim, não pude deixar de reparar em dois
aspetos desta entrevista: o primeiro é que Maria João Avillez não tem um auricular, o que de alguma forma terá tranquilizado o primeiro-ministro; o segundo é que esta senhora não detém Carteira Profissional de Jornalista desde 2008 (inclusive a própria Comissão da Carteira Profissional do Jornalista ponderava apresentar queixa contra a própria por usurpação de funcções).
No fundo, só consigo olhar para esta questão de duas formas (e friso, desde já, que esta é a forma como eu olho para os acontecimentos): ou o Governo pretende tornar a RTP total ou parcialmente dependente de si e, dessa forma, acabar com as tais perguntas sopradas por sabe-se lá quem e haver somente entrevistas bonitas como aquela que Maria João Avillez conduziu; ou, em contrapartida, retomar uma proposta do governo de coligação PSD/CDS, que entre os anos 2011 e 2013, objetivava a
privatização da RTP.
Gostava de terminar este texto com uma visão bastante positiva daquele que será o futuro dos órgãos de comunicação social em Portugal, e especialmente da RTP, porém o mesmo não poderia ser mais incerto. Oxalá, exista um auricular que sopre a importância que o ecossistema mediático e um jornalismo independente e consolidado tem para a democracia.