Dezembro ainda nem mostrou a sua cara e as luzes já piscam nas ruas e as montras parecem competições de brilho. Dizem que “o Natal é quando o Homem quiser”, mas não será isso apenas um slogan de supermercado? O espírito natalício, que um dia se dizia mágico, virou uma desculpa para esvaziar carteiras.
Lembro-me de quando o Natal era um momento, momento que nos exigia tempo e preparação, muito mais interior do que exterior. Dezembro chegava e, com ele, o gesto de olhar para dentro, de ver quem está ao nosso lado, de agradecer e de ajudar.
Agora estamos em novembro e já fomos convocados para a maratona de filas, promoções e pressões para comprar. E se pensarmos nos valores do Natal, aqueles que não têm data de validade, como a solidariedade, a calma e o amor, e como já foram substituídos por aqueles que nos exigem ações esvaziadas, como a pressa, a competição e a impaciência?
O Natal não é quando nem como o Homem quiser.
Ontem, na memória das noites frias, o Natal era uma festa sem luxo, mas cheia de alma e de união. As tradições não precisavam de luzes de plástico, porque eram iluminadas com brilho humano, eram feitas de gestos, cheiros e vozes.
Ontem, o Natal começava muito antes da ceia, com os preparativos silenciosos que uniam a família. As crianças esperavam ansiosas pelo presépio, cuidadosamente montado com musgo manualmente colhido. Cada figura contava uma história: o pastor de barro rachado pelo tempo, o burro de olhar sereno, o Menino Jesus que só era colocado na manjedoura à meia-noite.
Isto tudo sob um ambiente onde a alma estava mais viva do que nunca, não havia luzes elétricas, mas era a chama da lareira e a nossa chama interior a luz que iluminava os momentos que antecediam o nascimento do Menino Jesus. Olhava-se pela janela eo nevoeiro convidava a que aqueles momentos fossem de interior, de reflexão e de silêncio contemplativo. No fundo, Natal significa a vinda de algo novo, significa nascer.
A mesa, simples e cheia de carinho, era um reflexo do que se colhia e produzia. Bacalhau cozido com couves, pão alentejano, azeite da última colheita e, claro, as rabanadas polvilhadas com açúcar e canela. Mais importante do que a comida, era a conversa que acompanhava cada garfada, feita de risos, saudades e promessas para o ano que estava por vir.
Hoje, o Natal mudou. As árvores artificiais são montadas como de um evento numa rede social se tratasse, as rabanadas dividem espaço com chocolates importados, os votos de “Feliz Natal” muitas vezes chegam por mensagens automáticas. Há menos crianças pela sala e à mesa vão aparecendo luzes vindas de ecrãs presos a duas mãos…
Celebrar o Natal tornou-se um hábito, um protocolo social obrigatório, em que a “magia”e a “simplicidade” não foram convidadas.
Eo Natal amanhã? As cartas serão escritas pela Inteligência Artificial, o Menino Jesus aparecerá em holograma, os presépios tradicionais serão substituídos por versões em realidade aumentada e as rabanadas passarão a ser feitas em impressoras 3D…
O problema não está na modernidade, mas na forma como ela nos distrai. No fundo, o Natal não é sobre luzes ou presentes, é sobre pausa, partilha e presença. Com este acelerar, o Natal será apenas mais um tópico na lista interminável de “coisas a fazer” e, se assim for, seráuma celebração sem alma e vazia, onde a aparência substitui o significado ea tecnologia ofusca o calor humano.
Mesmo que o mundo avance, que permaneça a fé de que as estrelas irão sempre encontrar um campo onde pousar, o silêncio das noites continuará a embalar os sonhos de quem vive com os pés na terra. As oliveiras testemunharão gerações que, mesmo rodeadas de modernidade, ainda saberão encontrar nos gestos simples como o pão partilhado, o calor do abraço e o olhar de cumplicidade aquela que é a essência do que é realmente importante.
O Natal não é quando o Homem quiser, é quando o coração precisa e corações apressados não sentem magia. Que saibamos sempre que o que perdura é aquilo que se sente, não o que se compra.