Tive algumas reticências relativamente à escolha do título, porque a última coisa que quero é soar como determinados partidos e tornar este tema o centro da agenda política. No entanto, corrupção tem sido a palavra de ordem, no debate político, nos últimos anos e, mais recentemente, no governo espanhol, após os desenvolvimentos no caso Koldo e no caso Ábalos.
Na passada noite de 11 de junho de 2025, o jornal espanhol El País anunciava a publicação de um novo documento por parte da UCO (Unidad Central Operativa), uma unidade da Guardia Civil responsável por investigar casos de corrupção, relativamente aos caso Koldo e caso Ábalos, que, até à data, envolviam o ex-ministro do Desenvolvimento e dos Transportes e deputado pelo Partido Socialista Obrero Español
(PSOE), José Luis Ábalos, e Koldo García, antigo assessor do PSOE e do ministério anteriormente mencionado. Recorde-se que estes dois nomes já foram falados por estas nossas bandas quando, no ano passado, o jornal Expresso noticiava uma investigação, levada a cabo pela UCO e pelo Ministério Público de Espanha, que relacionava os dois políticos a quatro empresas aparentemente sediadas em Elvas.
Na passada quinta-feira, dia 12 de junho, após ser levantado o segredo de justiça, a bomba volta a rebentar dentro do PSOE e incluí um terceiro nome nesta investigação: Santos Cerdán, Secretário de Organização deste partido desde 2021, cargo que antes pertencia a Ábalos, e deputado nas Cortes Generales. O ex-ministro dos Transportes e o seu ex-assessor eram já a parte visível do iceberg, no entanto as investigações em Espanha vão baixando o nível da água e esta estrutura fica cada vez mais exposta.
Ábalos e García foram já indiciados por vários crimes relacionados com participação numa organização criminosa, tráfico de influências, corrupção e desvio de fundos, no seguimento da descoberta de contratos milionários celebrados com uma empresa fantasma para compra de máscaras durante a crise pandémica por COVID-19. A caixa de pandora volta a abrir-se e, desta vez, Ábalos, Koldo García e Santos Cerdán são os protagonistas de um enredo que envolve o recebimento de subornos em troca de
influências em adjudicações em obras públicas; a correspondência realizada, através da rede social Whatsapp, entre García e Javier Herrero, diretor-geral da construtora Carreteras, em abril de 2019, abriram as portas para a construção de uma acusação relacionada com a manipulação de contratos públicos. O documento que a UCO entregou ao Supremo Tribunal contem conversas privadas, guardadas por Koldo García, trocadas entre abril de 2019 e dezembro de 2023. O relatório detalha que nestas se fala
sobre distribuições de dinheiro, cálculos de valores devidos e são referidas adjudicações concretas. Qual foi então o aparente papel de Santos Cerdán aqui? Gerir os pagamentos realizados em nome de Koldo, seu braço direito, e de Ábalos, já que nas gravações acedidas Cerdán fala de valores específicos e diz, simultaneamente, que não pode falar “em voz alta”.
Estamos, claramente, perante um possível caso de corrupção e prevaricação, mas não só de problemas que afetam Espanha é feito este documento, se não também de escândalos dentro do próprio partido. Ábalos e Cerdán sempre tiveram uma relação de grande proximidade com Pedro Sánchez, atual presidente do Governo de Espanha desde 2018 e secretário-geral do PSOE desde 2014, estando, neste momento, a imagem do líder socialista a ser arrastada para o imbróglio. Sánchez deve muito do seu sucesso a Santos Cerdán, já que este foi responsável por planear e impulsionar a sua campanha eleitoral nas eleições primárias; porém, não só por aqui ficou Santos Cerdán. Ao que tudo indica, o número três de Sanchéz terá também manipulado o processo eleitoral dentro do próprio partido, de forma a garantir que o atual secretário-geral do PSOE vencesse o processo eleitoral.
Contudo, Sánchez não é somente acusado pela oposição de ser responsável por favorecimentos dentro do partido, se não também por encobrir os casos de associação criminosa e subornos. Estes acusam-no de, por um lado, ter descoberto o alegado envolvimento de Ábalos nestes casos e, por isso, tê-lo-á destituído de funções e escondido tudo o que sabia a respeito dos crimes praticados. Além disso, Sánchez e Ábalos viram-se envolvidos numa outra polémica, no passado mês de maio, quando o jornal El Mundo divulgou mensagens trocadas no Whatsapp entre os dois camaradas do Partido Socialista Espanhol a 14 de novembro de 2020. O teor destas conversas estava ancorado à entrevista que Margarita Robles, Ministra da Defesa, concedeu ao canal televisivo La Sexta nesse mesmo dia; nas mensagens filtradas, é possível denotar que os mesmos troçavam da colega socialista, já que escreviam “Se acuesta con el uniforme” ou “Es una pájara”. E, simultaneamente, também o acusam de estar a par dos movimentos de Santos Cerdán, dado a sua proximidade e o cargo que este tinha na direção do Partido Socialista Obrero Español. Como seria de esperar, Sánchez revela não ter tido qualquer tipo de envolvimento ou conhecimento em qualquer um destes casos, afirmando que fora apanhado de surpresa e que se sentia profundamente desiludido para com aqueles a quem confiou a condução do país. No entanto, o nome de Sánchez, em outras circunstâncias, já surgira associado a outros escândalos de tráfico de influências, como quando, no ano passado, a sua esposa, Begoña Goméz, foi considerada suspeita de ter utilizado a posição do marido no âmbito das suas relações profissionais. Ou, por outro lado, o famoso caso do irmão de Sánchez que tanto tem dado que falar na cidade pacense.
Estando já os meus caros leitores contextualizados, é hora de olhar criticamente para a questão, ou, melhor dizendo, para a falta de coerência de Pedro Sánchez. Na década passada, a política espanhola foi marcada pelas sucessivas polémicas que envolveram o Partido Popular (PP) a vários casos de corrupção, entre eles o famoso caso Gürtel, que investigava uma suposta rede de corrupção política vinculada a este partido que operava nas Comunidades Autónomas de Madrid e Valencia. Enquanto decorriam as investigações e quantos mais factos se apuravam, a postura de Sánchez face ao secretário-geral do PP e presidente do Governo de Espanha Mariano Rajoy foi sempre a mesma: de condenação. Com isto, não digo que deveria continuar em funções, é evidente que perante casos de corrupção gravíssimos, como aqueles a que o partido de centro-direita foi associado, pedir perdão não é suficiente, e Sánchez fez questão de assinalar isso à data e exigir a demissão de Rajoy. Então, por que razão não faz ele o mesmo? Será o principal mote de Sánchez “faz o que eu digo, não faças o que eu faço?”. Nas últimas semanas, o primeiro-ministro espanhol tem adotado exatamente o mesmo discurso que adotou Rajoy, enquanto o seu partido era associado a cada vez mais casos de prevaricação. Logo, até onde Sánchez difere de Rajoy?
Recordemos que à época, o Partido Popular só abandonou o executivo com uma moção de censura levada a cabo pelo PSOE, que já tinha Sánchez como secretário- geral. A aprovação da mesma levou à queda de Rajoy e, posteriormente, Sánchez assume funções no Palácio da Moncloa. Porque não fazer o mesmo agora? Aquele que tem maior viabilidade para o fazer seria Alberto Feijóo, atual líder da oposição, contudo não parecem existir garantias de governabilidade suficientes para o Partido Popular
numa possível e futura legislatura. Além disso, Sánchez descarta a possibilidade de dissolver o governo e convocar eleições, uma vez que refere que Espanha está a viver um período de prosperidade e de estabilidade, que terá de se manter até ao final da legislatura, em 2027, e coloca em cima da mesa, inclusive, a possibilidade de se recandidatar; em contrapartida, destaca a realização de uma remodelação na direção do Partido Socialista Obrero Español e de uma auditoria externa às contas do partido, de
forma a garantir aquilo que para o secretário-geral já é claro.
O cenário que acabo de descrever remeteu-me inevitavelmente para o que sucedeu em Portugal em novembro de 2023, quando António Costa foi implicado na Operação Influencer, e em fevereiro deste ano com o Caso Spinumviva, que colocou a empresa da família de Luís Montenegro no centro de eventuais conflitos de interesses.
Todavia, as formas de atuação são bastante distintas. A meu ver, perante casos tão graves como os de corrupção, tráfico de influências, prevaricação, entre outros, em que se reúnem imensas provas claras e concretas a respeito do sucedido e dos seus intervenientes, a opção mais viável consiste em dissolver o executivo e convocar novas eleições, já que é notória a inviabilidade do partido para continuar a exercer funções, assim como de uma fraca capacidade de liderança e controlo por parte do líder do governo. Foi isso, justamente, que fez António Costa quando viu o seu nome implicado
no caso anteriormente mencionado; este demitiu-se do cargo que desempenhava, sem ter nomeado um sucessor e o país foi chamado a votar para eleger um novo executivo, não sendo já Costa uma opção para primeiro-ministro. Com Luís Montenegro, a história é diferente. Em primeiro lugar, estamos perante um caso que envolve uma empresa que está indiretamente relacionada consigo, já que o próprio referiu que a mesma estava a cargo da sua mulher e dos filhos; ainda assim, a bola de neve não parava de crescer e os alegados envolvimentos em fraude fiscal, procuradoria ilícita e recebimento indevido de vantagem conduziram a que a posição de Montenegro ficasse cada vez mais fragilizada.
Posto isto, e apesar de o próprio se ter mostrado irredutível a prestar declarações francas sobre o caso e ter tido duas moções de censura rejeitadas, a arrogância do primeiro- ministro (perdoem-me a sinceridade) levou-o a apresentar uma moção de confiança à Assembleia da República, que, ao ser rejeitada, levou à demissão do executivo e, uma vez mais, o povo português volta às urnas, acentuando a situação de instabilidade política que vivemos desde 2022.
Que diferenças e semelhanças há entre os casos? Quem agiu de melhor ou de pior forma? A verdade é que não é possível comparar os casos, se não apenas traçar aquilo que é comum a todos: a extrema necessidade de colocar o poder a render. Creio que isto seja apenas o início do fio de lã e que, com o tempo, o mesmo continuará a ser puxado e novos aspetos serão revelados: mais contratos ilícitos, mais valores exorbitantes e quiçá outros tantos nomes que jamais pensaríamos que poderiam estar
envolvidos em tais esquemas.
Com este texto, não pretendi manifestar o meu profundo desagrado e revolta contra a corrupção, porque creio que é simplesmente algo que não gostaríamos que existisse, de todo, e ponto final. Mas, infelizmente, parece ter-se tornado algo altamente crónico dentro dos partidos políticos, tendo em conta o que se descobriu e aquilo que ainda virá a ser revelado. Tal fenómeno conduz precisamente a um fator altamente preocupante: a crescente falta de confiança que cada vez mais se verifica no eleitorado,
seja na Península Ibérica ou fora dela. Com este texto, também não pretendi descredibilizar qualquer partido político ou mostrar que um era melhor que o outro.
Limitei-me a constatar factos e a comentá-los, mostrando que nenhum deles está livre do que quer que seja, até mesmo aqueles que mais discutem e condenam o tema. Creio que Espanha virá a enfrentar uma grave crise política brevemente, mas não só, terá também de enfrentar a descrença sentida face à maioria dos partidos candidatos, uma vez que a sensação predominante é a de que, para onde quer que olhe, a corrupção já está presente. E é por isso, que gostaria de concluir este texto reforçando a ideia inicial deste parágrafo: mais do que criticar e revoltar-se contra os partidos e políticos que praticam este tipo de atos, que evidentemente têm de ser condenados se forem considerados culpados de tal, cada político e cada partido deveria olhar para si mesmo e, precisamente, conjeturar sobre a sua própria conduta e sobre aquilo que faria se chegasse ao poder. De nada serve apontar o dedo e condenar piamente, quando a
conduta acabará por ser exatamente a mesma.
