Natal sem roncas não é Natal. Pelo menos em Elvas. A tradição mantém-se viva um pouco por “culpa” de Luís Pedras, oleiro que ao longo dos anos é responsável pelo fabrico de perto de cinco mil destes instrumentos musicais de origem africana.

Com a colaboração do filho, de 19 anos, o oleiro elvense, 50 anos, tem a produção de 2015 praticamente pronta. Em Elvas resiste como único ceramista em actividade e que mantém viva da tradição de fabrico de roncas. Noutros tempos esta foi uma actividade apreciada e concorrida.

Instrumento musical que acompanha os cânticos de Natal, a ronca é um membranofone de fricção, constituído por uma estrutura cilíndrica, com uma pele esticada numa das aberturas. É percutido por uma cana fixada no centro da membrana. O executante, com a mão molhada, fricciona a cana fazendo vibrar a pele e produzir um ronco. (Fonte: Memoriamedia).?

Tradicional em muitas regiões de fronteira (em Barrancos, por exemplo, onde se mantém actual a designação espanhola – zambomba), a sua denominação, explica Luís Pedras, varia de região para região. E Elvas é a zona do país que mantém activa a produção intensa deste instrumento. Em conversa com o Linhas, o oleiro Luís Pedras recorda o percurso formativo iniciado há 22 anos. Num percurso ligado à cerâmica, a formação inicial foi feita em Reguengos de Monsaraz, nas olarias de S. Pedro do Corval, e, posteriormente, com mestres japoneses.

“Dedico-me às roncas só neste período do ano, tenho uma actividade mais variada”, diz, admitindo que no fabrico da ronca há uma componente tradicional e outra de inovação. “Procuro um toque pessoal”, explica.

Entrai, pastores, entrai, | Por este portal a dentro; | Vinde adorar o Menino, | No seu santo nascimento. (popular, Alentejo, in Cancioneiro Popular Português de M. Giacometti)

Com origem africana (África Austral), as roncas tinham uma utilização relacionada com rituais iniciáticos. A sua entrada na península surge depois dos séculos XV/XVI, ficando associada à fertilidade e à natalidade. “Já com cariz religioso ficou associada à quadra natalícia. No caso de Elvas ficou intimamente ligada ao cancioneiro local, um cancioneiro muito rico”, recorda o oleiro que é responsável pelo fabrico de centenas de instrumentos anualmente.

Luís Pedras, actualmente o único artesão em Elvas a manter o fabrico de Roncas, numa cidade que já teve uma importante comunidade de oleiros e ceramistas (ainda existe a rua dos Oleiros), falou ao Linhas na arte do fabrico deste instrumento musical. Na arte de preparar a “Péla”, barro seleccionado, está uma parte do segredo, depois a roda e o engenho do oleiro fazem o resto, para “desenhar” um instrumento mais feminino (mais redondo) ou mais masculino (de uma forma mais “fálica”) e para assegurar uma decoração mais personalizada.
 

No forno, a cerca de 1.000ºc, a peça vai cozer e vidrar até às condições ideais para garantir impermeabilidade e sonoridade. Na pele – Luís usa actualmente pele de cabrito, pela elasticidade e resistência – e na escolha e preparação da cana residem outros segredos para o fabrico de uma boa ronca.

Na literatura e história locais percebe-se a importância das tradições: “Das nove horas até à meia-noite de Natal percorrem as ruas da cidade diferentes grupos de homens do povo, cantando em altas vozes, em coro, e núm rhytmo e entoação especial, trovas ao Menino Jesus, acompanhadas pelo som àspero da ronca: alcatruz de nora, ou panella de barro, a cujo bocal se adapta uma membrana, ou pelle de bexiga, atravessada por um pau encerado, pelo qual se corre a mão com força para produzir um som rouco. Somente pelo Natal é este instrumento ouvido.” – PIRES, António Thomaz. “A noite de Natal, o Ano Bom e os Santos Reis”, in Estudos e notas elvenses. António Torres de Carvalho. Elvas, 1923 (2ª ed.).

Eu hei-de dar ao Menino | uma fita, uma fita pr’ó chapéu | Também Ele nos há-de dar | um lugar, um lugarzinho no Céu. (popular, Alentejo, in Cancioneiro Popular Português de M. Giacometti)

E a ronca encontra-se em diversas comunidades, na Europa, África e América do Sul. Mas é reconhecidamente em Elvas que tem uma expressão mais viva. Nem se empresta, conforme “reza” a sabedoria popular.

Luís Pedras que começou a pensar na olaria e na cerâmica depois dos anos 90 do século passado – “Fui ajudante de despachante, uma actividade profissional que cessou em 1993 com o mercado único europeu. Reciclei-me…”, confessa -, defende a tradição na sua terra natal.

Em 2014, a actividade foi mais intensa: duas exposições levaram as “Roncas do Castelo” à Casa do Alentejo de Lisboa e à Casa da Cultura de Elvas.

O Menino está dormindo | Um sono de amor (muito) profundo. | Os Anjos lhe estão cantando: |”Viva o Salvador do Mundo!” (popular, Portalegre)

Barrancos, no Baixo Alentejo, é sem dúvida um concelho de tradições. O Natal mantém-se como festa comunitária. Na principal praça da vila, onde tudo de importante se passa, o “lume de Natal” é aceso ao final da tarde de dia 24 e representa ponto de encontro obrigatório, local de convívio e fraternidade.

Depois da consoada, antes e depois da Missa do Galo, em redor do lume, a noite prolonga-se madrugada fora. Cânticos, petiscos e os doces da época aquecem a noite barranquenha.

Na tradição de Barrancos consta igualmente a ronca, aqui designada de zambomba. Este instrumento partilhado com a vizinha Encinasola, do lado de lá da fronteira, é igualmente utilizado para acompanhar os cânticos natalícios, entoados noite fora e em dialecto local, o barranquenho.

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