Se aqueles e aquelas que cospem estátuas estivessem preocupados em apoiar vidas, estaríamos juntos na causa. Não estamos a falar de tirar selfies para calar a consciência mas sim acompanhar. Porém se pretendem ajustar contas, à traição, com o passado, não devem ficar impunes.

Porque as estátuas representam histórias e memórias do que foi, não do que se gostaria que tivesse sido, e se são usadas de maneira dissimulada, enganadora e falsa por movimentos contestatários para vincar ideias por esta via, está explicado o respeito que têm pelos outros e pelo espaço público. A questão, meus caros amigos, não é o hoje. É o que virá a seguir com respostas reactivas de extremistas de todos os lados enquanto não se recusar firmemente esta postura enganadora que hoje passa por progresso. E a resposta, parece-me, deve ser cívica, dada por cada um de nós na nossa respectiva esfera e não necessariamente política. Mas para isto, é evidente, é necessária dedicação e um trabalho que hoje em dia se cultiva pouco. Porque contrariar a indiferença dá trabalho e o trabalho voluntário é custoso e exige aquela paciência que o padre António Vieira teve com os índios.

Sei que as pessoas sensatas não enveredaram pelo caminho de destruição de estátuas. E que esta conversa é um disparate, mas exigida porque tem de se responder aos disparates. Na estátua vandalizada na verdade pretende-se representar o Padre António Vieira, Winston Churchill no Reino Unido, o busto de Baden-Powell decapitado em Coimbra e tantos outros que neste tempo vão ardendo nas mãos da ignorância; que participaram na sua época e estão mortos. Vivem para a cultura e é precisamente essa Cultura – portuguesa, europeia e ocidental – que os manifestantes que se dizem anti-racistas, embora sejam apenas anti-estátuas e modeladores do passado e das ideias, querem derrubar sem que o assumam. Derrubam culturas que não conhecem, eis a decadência maior em que vivemos. Não me perguntem como chegámos aqui. Exige uma reflexão demorada. Por isto, façamos o possível para preservar o bom-senso que é afinal, como sempre foi, um grande bem.

O que seria das vilas e cidades históricas se cada monumento e cada estátua fossem hoje revistos à luz da mundividência e conceitos actuais? Seria não apenas análise mas destruição: destruir-se-ia o património cultural e não restava pedra sobre pedra. Quem hoje derruba estátuas e monumentos amanhã queima livros, não vos esqueceis. Só é pena esses estúpidos e estúpidas não usarem a comunicação do século XVII, não é? Aquele século em que viveu Vieira por eles acusado de racismo enquanto andou pelo Brasil a defender as vidas dos indígenas que conheceu de perto.

Viva a História, que é uma ciência! Tratou-se mal os que avisaram dos perigos do relativismo no ensino superior. Viva o Padre António Vieira s.j. e a sua obra, literária e a humana! E vivam todas as estátuas que não nos dizem nada pessoalmente mas que a comunidade construiu!

Tiago Matias, licenciado em Estudos Europeus

Faculdade de Letras de Lisboa

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