Para quem ainda não entendeu a luta dos professores, atentem.

Andei a investigar a vida nada secreta dos professores. As razões que estão por detrás do protesto e das reivindicações que têm enchido ruas com milhares de profissionais da educação a empunhar cartazes e a clamar por respeito e justiça. Não é necessária a perspicácia de Sherlock Holmes para desvendar o mistério. Porque não há mistério. Há evidências claras de que a classe está desrespeitada, desautorizada e mal tratada. Também não é difícil encontrar os culpados: são os sucessivos governos. O que é mais complexo é saber onde isto irá chegar. Embora haja evidências de que a educação das novas gerações começa a ficar comprometida. Parece-me que ser professor é cada vez menos apetecível. Os que lá estão andam tristes, cansados, desmotivados e grande parte deles com os tostões contados. Muitos estão a claudicar. Os que estão a formar-se para a carreira docente já irão desconfiados e a medo. Alguns irão desistir da ideia. A pergunta é: quem se habilita a dar aulas neste cenário de crónica sabotagem à natural progressão na carreira e à  valorização da classe que tem a responsabilidade de formar o futuro? Quem, quando vigora o retrocesso valorativo da figura do professor?

Ao falar nisto, ando para trás no tempo, depois de há dias me ter cruzado em Elvas com a minha professora primária, sem que ela me reconhecesse. Algo normal, dado que a  minha fisionomia actual  nada tem a ver com a da miúda de 6, 7 e 8 anos que fui quando o acaso lhe confiou a minha aprendizagem inicial. Eu guardo-a na memória para sempre.  

Foi a professora Joana que me deu o passe para a literacia. Que me ensinou a juntar as letras, a ler a contar … e dessa forma poder começar a construir a minha educação, o pensamento crítico e, não menos importante, poder plasmar o meu imaginário na escrita.

Foi ela que me incentivou a construir as minhas primeiras histórias e que acreditou nas minhas capacidades para escrever, levando-me a um concurso onde obtive um prémio, com apenas 8 anos. Algo agora pouco relevante, mas na altura inflamador de ego e motivador. Jamais a esquecerei. Assim como o ambiente da aula. O estendal onde pendurava as letras maiúsculas e minúsculas à medida que nos ia ensinando o abecedário. A chamada à secretária dela onde me sentava a ler em voz alta e onde às vezes fazia os testes afastada dos meus colegas, para não copiarem por mim, porque eu me destacava no português.

É impressionante a memória viva que tenho desse tempo, do colorido da sala, dos meus colegas, do cheiro da comida do refeitório, das cantigas infantis, do trava línguas que ainda pronuncio em acelerado, das visitas de estudo… mas acima de tudo da figura da professora, carinhosa e ao mesmo tempo austera, que lançava mão do icónico e temido objecto que à época se utilizava para lá da geometria: a régua! O instrumento punitivo de burrices transitórias ou ocasionais. Embora as palmas da minhas mãos não fossem acolhedoras da madeira sancionatória, lembro-me do respeito que me infligia, e que agora entendo como reflector da importância e da autoridade que o professor tinha.

É claro que não advogo o regresso a esse tempo e a essa metodologia, mas não deixo de notar que a evolução verificada daí para cá não foi tão benigna como poderia ter sido. Ao ponto de chegarmos ao patamar onde estamos, com os professores desvalorizados no seu papel, asfixiados com tarefas burocráticas e administrativas, com pesadas sobrecargas horárias, tarefas adicionais que devem esmagar os planos curriculares que estão obrigados a cumprir. A juntar a isto, além de professores, terem que ser educadores de comportamentos (às vezes de pais e alunos), psicólogos, confidentes, fiscalizadores de risco social… E muitos deles mal pagos, entregues à itinerância, coercivamente desligados das famílias, filhos incluídos.

Consigo entender que erradicar quase na totalidade o analfabetismo em Portugal, em 1970 fixado nos 25,7%, contra os actuais 3,1% implica um crescimento muito grande do investimento na educação, na construção de escolas e nos encargos com os vencimentos de todo o pessoal envolvido, acima de tudo docente. Mas também consigo acreditar que é possível “distribuir o mal pelas aldeias”, ir cortas em outras despesas e arranjar forma de pagar melhor aos professores. De não os deixar 20 anos a contratos à espera de ingressarem na carreira. E, talvez o mais fácil, acabar com o absurdo das colocações a muitos quilómetros de casa.

Para quem tenha simplesmente curiosidade, ou para quem pense que os professores andam a refilar sem razão, fica a tabela remuneratória de um professor casado e com um dependente a cargo. Depois é fazer contas ao nosso próprio custo de  vida e extrapolar. Não esquecendo que muitos destes salários se destinam a pagar duas vezes encargos com habitação, transporte e comida dentro e fora de casa.

Espero que os envolvidos saibam ter uma boa discussão,  com equilíbrio, assente na seriedade e no respeito por quem é tão importante para o futuro do país.

Artigo de Opinião publicado originalmente na edição impressa do jornal Linhas de Elvas nº 3709 de 23 de Fevereiro de 2023

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