O Comendador Rui Nabeiro, recentemente falecido a 19 de março de 2023 com mais de 90 anos, como se viu e leu por todo o país, foi uma personalidade marcante de empresário e português.
Gabam-lhe as diversas e completas qualidades que eram notórias em qualquer entrevista que dava. Duas, pelo menos, marcaram-me: a intuição bondosa da conversa (reveladora do carácter pessoal) e a inteligência organizacional (visão empresarial e de negócios). Para quem achava que as duas formas eram incompatíveis, eis o exemplo de pessoa que conciliou ambas com notável sucesso. Ainda bem para nós. Necessitávamos de muitos assim no país.
Quero ainda referir um ponto essencial da sua vida e acção que, sendo raro e nobre, não pode ser esquecido: foi um Alentejano dedicado em todas as alturas, sendo de famílias de Campo Maior manteve-se e ao seu grupo empresarial, enquanto investidor, a ser um defensor e localizado no Alto Alentejo. E em Portugal, em geral, e qualquer pessoa atenta sabe que não temos muitos grandes empresários assim. A diferença que isso implica no interior é gritante, interior que tanto necessita de empresas e empregos especializados e, sabem os economistas, a diferença que faz manter a sede da Delta – significa taxas e impostos pagos em Portugal e que, portanto, servem para apoiar as contas e a melhoria das condições de vida nas regiões e no país. Traduzem-se concretamente na qualidade de vida das populações.
O Comendador foi membro ou simpatizante do Partido Socialista, mas não sei até que ponto esteve envolvido na vida partidária. Na vida cívica é claríssimo o seu envolvimento. O comendador a quem a comenda, como distinção honorífica que lhe foi concedida por méritos, assentava que nem uma luva e talvez por isso seja o único a quem ouço tratar por “Comendador” com a dignidade que devia caber a todas as ordens atribuídas. Um último ponto quanto a mim sintomático do Comendador Nabeiro: foi dos poucos nas últimas décadas por quem o desaparecimento foi assinalado, e emotivo (factor muito relevante até nos negócios e que não deve ser menosprezado), no campo e nas cidades, por todos os grupos sociais. E coisa muito rara e quanto a mim única em muitos anos: foi transversal a gerações e conhecido em todas as faixas etárias – quem está atento sabe como tem sido incomum desde a ascensão da internet, da “divisão” por grupos etários como tendência forte e muitas vezes quase tribal, opondo mais velhos a mais novos; sintoma de retrocesso do relacionamento social, pois em todas as sociedades europeias modernas e contemporâneas o conhecimento era transmissão inter-geracional, passando dos mais velhos aos mais novos. Certamente Rui Nabeiro só podia ser um talento especial. Tive pena de não o conhecer pessoalmente, e este é o maior elogio que lhe poderia dirigir. RIP.
A propósito da morte do Comendador Nabeiro, vi uma publicação interessante entre as muitas publicadas nas redes sociais. Esta, todavia, teve a particularidade de ser escrita por um militante socialista, pessoa moderada e civilizada, partido onde o comendador militou, com uma fotografia contendo os “vultos” históricos do partido, decisivos na sociedade subsequente à Revolução de 1974: o comendador Rui Nabeiro, o dr. António Arnaut, ao centro o dr. Mário Soares, Edmundo Pedro e o dr. Jorge Sampaio talvez tirada num encontro partidário. Lembrando-se nessa publicação a História, o presente e futuro por eles trazido. E fez o autor muito bem. Também defendo que o dever de memória é relevante nas sociedades políticas modernas e democráticas, onde a participação na vida pública é um dever e um direito, e uma tarefa meritória e decisiva na vida das comunidades. Na referida fotografia aparecia, ao centro, certamente ciente da sua dimensão histórica ou lá colocado por questão protocolar, o “meu colega” da Faculdade de Letras dr. Mário Soares, obviamente de gerações distintas. Estes senhores, socialistas herdeiros de Antero de Quental, da chamada Esquerda moderada ou democrática, estou em crer que seguiram nas suas visões e propostas de organização social e política três pilares essenciais, que foram: liberdade, democracia, iniciativa privada. Também comum, em abono da verdade, ao centro (direita), o PPD do dr. Sá Carneiro e o CDS do professor Freitas do Amaral.
Quem, como eu, não viveu o ano de 1975 e seguintes como pode sabê-lo e conhecer a Política portuguesa? Pode rever testemunhos (político-militares) em suporte audiovisual ou consultar obras de História Contemporânea de Portugal que refiram especialmente a visão política (cf. Mário Soares, Elogio da Política, 2009) esclarecida do dr. Mário Soares, onde é claríssima a ideia e acção para a defesa da liberdade, da democracia, da propriedade privada e também da liberdade religiosa, portanto clarividente e culto, o país deve-lhe esse reconhecimento. Resistindo desse modo à fortíssima tentativa marxista, por parte dos comunistas portugueses, que seguiam a ditadura soviética onde as liberdades e estes pilares fundamentais não eram respeitados – na U.R.S.S., conhecida através da ortodoxia do P.C.P. então próximo dos primeiros governos provisórios. Como se sabe, a miséria nesses países totalitários foi generalizada e a liberdade não existia.
Ora neste momento está no Governo de Portugal o mesmo P.S. de que estes senhores foram distintos membros e, alguns, pensadores e fundadores. Põe-se então a questão do que tem feito recentemente a ministra da Habitação e algumas políticas sectoriais. Tem sido o oposto do que permitiu ao Comendador Nabeiro negociar, fazer fortuna, redistribuí-la e ser um empresário de sucesso, um investidor e impulsionador do desenvolvimento do Alentejo. Com o novíssimo programa da Habitação, a senhora ministra, nova mas sem desculpas na medida em que deve conhecer o passado e pensamento do seu partido, parece ser uma ministra bloquista ou, no mínimo, radical. Disparando contra a propriedade, iniciativa privada e por exemplo contra os Alojamentos Locais, que permitiram desenvolver tantas cidades e vilas, reabilitando prédios e pagando impostos, seguindo, esses sim, o espírito empreendedor e estratégico do Comendador Nabeiro. Sem esse espírito, Campo Maior não teria hoje a marca mundial que tem. Nem a Luta de Classes do século XIX é o busílis, embora, se espicaçada por governantes, possa ressurgir. As ideias, como se verifica ao longo da tradição de pensamento europeia, podem suscitar o bem e o mal.
Por isso é que as políticas públicas e as ministras (os) não devem dizer, nem fazer, nem defender o primeiro disparate que lhes vem à cabeça. Porque isso implica consequências negativas por décadas, para as gerações seguintes e para o atraso no desenvolvimento regional em países livres de uma Europa do século XXI. Como sempre se soube, não são necessariamente as ideologias que fazem bem ou mal, é a qualidade das pessoas que as pensa e aplica. No caso presente, muito há a aprender com o pensamento do Comendador.
Percebe-se hoje, e o Comendador Nabeiro é o excelente exemplo actual, que não são as ideologias que fazem as boas coisas para o bem-comum – embora o seu conhecimento possa influenciar. São as pessoas que fazem a diferença na sociedade, graças ao seu carácter e dedicação.
Votos de animada Páscoa.
Tiago Matias, professor, investigador em História Local e Etnografia, diplomado em Estudos Europeus pela Faculdade de Letras de Lisboa