Num tempo de “cultura” rápida e descartável, como se caracteriza esta era pós-moderna ou, melhor dizendo, de consumos culturais instantâneos, na linha do que defendeu o pensador Zygmunt Bauman, da “modernidade líquida” – tratamos assuntos durante umas horas ou dias com todos os ânimos e na próxima semana já não sabemos o que foi falado na semana anterior -, importa talvez voltar aos clássicos da Literatura portuguesa e, assim, mundial.

Lembrei-me de voltar a Camões, Almeida Garrett, Camilo Castelo Branco, Florbela Espanca, entre vários outros (as). E, por incrível que pareça, não é que têm textos e mensagens úteis e que ainda dizem e ajudam a compreender a vida de hoje? Intemporais. Recomendado, principalmente para os tempos, em princípio mais tranquilos, de férias de verão.

Fiquemos com «Descalça vai para a fonte» do grande poeta:

“Descalça vai para a fonte
Lianor [Leonor] pela verdura;
Vai formosa e não segura.


Leva na cabeça o pote,
O testo nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamelote;
Traz a vasquinha de cote,
Mais branca que a neve pura.
Vai formosa, e não segura.

Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro entrançado
Fita de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo espanta.
Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura.
Vai formosa, e não segura.”

Luís Vaz de Camões, Obras completas de Luís de Camões, Lello & Irmão Editores

Esta composição textual é um vilancete da bela tradição escrita portuguesa. Vilancete porque o mote é composto por três versos (e o poema tem três estrofes). Com suas metáforas de “mãos de prata” e uma visão campestre e de mulher ideal petrarquista. E as glosas repetem o último verso do mote: “vai formosa e não segura”.

Bom verão.

Tiago Matias, professor, investigador em História Local e Etnografia, diplomado em Estudos Europeus pela Faculdade de Letras de Lisboa

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