Imigração tem sido um dos temas mais debatidos nos últimos tempos, seja por aqueles que exigem um travão no fluxo migratório e controlo das fronteiras, seja por aqueles que exigem melhores condições de vida para aqueles que vêm para o nosso país à procura das mesmas. Atualmente, com uma Assembleia da República composta em dois terços por partidos de direita, o cenário muda radicalmente; se, por um lado, se acusa Costa de ter aberto as fronteiras a todos aqueles que quisessem entrar em Portugal, agora podemos apontar o dedo a Montenegro por as fechar demasiado (mas só a alguns).

Nas últimas semanas, este tema tem tido uma forte presença no Parlamento e, consequentemente, na comunicação social e em algumas associações. Tem precisamente agitado imensas águas, porque um novo pacote de medidas relativas ao movimento de entrada de cidadãos estrangeiros em Portugal foi votado recentemente e limitou as condições de atribuição de nacionalidade portuguesa aos imigrantes. As novas regras de acesso à cidadania portuguesa contemplam, de forma sumária, uma extensão do tempo de residência em Portugal, que difere para aqueles que vêm da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e dos restantes países estrangeiros; além do domínio da língua portuguesa, exige-se também o conhecimento de aspetos constitucionais e socioculturais de Portugal; para que os menores tenham nacionalidade portuguesa passa a ser necessário que um dos seus progenitores resida legalmente em Portugal há 5 anos e que esteja inscrito e a frequentar o ensino obrigatório; a naturalização por descendência e o regime especial para descendentes de judeus sefarditas sofreu também sérias alterações. Concomitantemente, será também exigido que os imigrantes que queiram um visto de procura de trabalho sejam altamente qualificados e que os mesmos tenham alojamento condigno e meios de subsistência sem recorrer a apoios sociais.

Após a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) em 2023, cujas funções administrativas foram transferidas para a Agência para a Integração, Migração e Asilo (AIMA) e as restantes repartidas pelas demais forças policiais, o governo de Luís Montenegro propôs a criação da Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF), que terá como principais funções fiscalizar os imigrantes e estrangeiros em território nacional, controlar as fronteiras aeroportuárias e deportar os imigrantes em situação ilegal. O executivo definiu também que perdem a nacionalidade aqueles que estão naturalizados há menos de 10 anos, quem tenha dupla nacionalidade e mediante a prática de crimes graves e com penas de prisão iguais ou superiores a 5 anos.

O que é que esta situação gerou? Caos e indignação. Muitos cronistas, comentadores e políticos de outros partidos descreveram a crueldade e a falta de consideração e empatia para com estes indivíduos. Assistimos, nos dias conseguintes, ao desespero por parte de muitos imigrantes, que faziam filas nos balcões de conservatórias com o intuito de acelerar o seu processo de nacionalização. Como sabemos, este tipo de tramites administrativos e altamente burocráticos estende-se demasiado no tempo, ainda que alguns considerassem que era muito fácil obter a nacionalidade portuguesa. O argumento foi sempre o mesmo, que o governo de António Costa tinha aberto as portas do país, de forma escancarada, para quem quisesse entrar e que os números de pedidos de nacionalização e de imigração ilegal estavam excessivamente altos; para não falar do típico discurso de “eles vêm para aproveitar os subsídios” ou “eles vêm para roubar o que é nosso”. A demonização da comunidade imigrante esteve sempre ancorada ao discurso do Chega que, numa primeira instância, acusou os imigrantes de “roubarem” a Segurança Social, sendo que depois os dados revelaram que eram dos grupos que mais contribuíam para esse órgão; posteriormente, tentaram associar a taxa de criminalidade a este grupo e as estatísticas mostraram precisamente que os números haviam diminuído e que a maioria não era praticada por portugueses não nativos; e, mais recentemente, este partido político levou para as redes sociais e para o parlamento alegadas listas de turmas, nas quais mencionavam nomes estrangeiros, alegando que as crianças e os jovens portugueses estavam a ficar de fora do ensino público. O que aconteceu? Para além de revelar a falta de ética de André Ventura e de Rita Matias, confirmou-se, precisamente, que a nacionalidade não era um critério decisivo aquando da atribuição de vaga numa determinada escola.

Sejamos realistas, por um lado, podemos constatar que existia um enorme fluxo migratório, ao qual estava a ser difícil dar resposta, mas que justamente estava a revelar as grandes fragilidades que o nosso país tem nos mais diferentes setores; por outro, constatamos também que a direita, mais especificamente a direita radical e conservadora, sempre quis travar a imigração e a forma que encontrava para fazê-lo cingia-se a discriminar e a perseguir a comunidade imigrante, mas não na sua totalidade, se não nacionalidades específicas. Vejamos que nunca houve uma única proposta ou crítica relativamente aos vistos gold, e não, antes que extrapolem, estou consciente de que estes não garantem a nacionalidade portuguesa a ninguém, mas acrescento, não garantem a curto prazo. Ou seja, um indivíduo estrangeiro, com grandes posses económicas, que chega a Portugal e investe meio milhão de euros, tem direito a residir e a trabalhar aqui; em que poderá resultar isto a longo prazo? Exato, a que possa pedir a nacionalidade portuguesa, anos depois. Vejamos então que, neste caso, não se trata de reduzir e limitar a atribuição da nacionalidade portuguesa em geral, se não de concedê-la a quem possa “pagar” por ela, por muito que defendam que “a nacionalidade portuguesa não está à venda”. Ou seja, as portas apenas estão abertas para pessoas de países de primeiro mundo, de classe alta e/ou detentoras de um título universitário (algo que, atualmente, também só se vai conseguindo com algum dinheiro, principalmente em países onde a riqueza está mal distribuída). No entanto, se não conseguimos dar emprego aos jovens altamente qualificados, como vamos conseguir dar aos imigrantes? Se se fecham as portas aos imigrantes mais pobres, que procuram melhores condições de vida, e que acabam por ocupar os postos de trabalho com remunerações mais baixas (que os próprios portugueses recusam!), como vão sobreviver determinados setores?

No fundo, observamos que a imigração, conforme está a ser considerada e defendida, não constitui um problema urgente para o progresso do país; existem, sim, problemas relacionados com a capacidade de resposta aos pedidos e em controlar de maneira adequada e eficiente este fluxo. Porém, as premissas anexas a este debate deveriam ter por base a empatia, o respeito e o reconhecimento dos benefícios que a imigração tem para o país, e não o preconceito, a discriminação e a intolerância. Concluímos com isto, que este fechar de portas (a alguns) não está somente relacionado com racismo ou com xenofobia, se não também com aporofobia, ou seja, para além de uma doutrina que inferioriza o outro, também existe uma aversão à pobreza de que este “padece”. Ao invés de analisar uma lista de alunos, que quiçá seja fictícia, preocupem-se em analisar a lista de nomes a quem estes políticos querem atribuir a nacionalidade e aquelas que querem legalizar nos registos e notários – um nome árabe não impede uma pessoa de ser portuguesa. E enquanto o governo dispensa tanto tempo em rever medidas e conteúdos relacionados com educação, imigração ou finanças (que não deixam de ser importantes), deveria debruçar-se sobre assuntos mais preocupantes e que estão, a cada dia que passa, a fraturar ainda mais a sociedade portuguesa: a saúde e a habitação. Gostaria verdadeiramente que o governo deixasse de pactuar com o Chega e com a sua agenda e de ceder aos seus caprichos, como aliás disse que nunca o iria fazer, porque não só contribui para o retrocesso do país, como também cava a sua própria sepultura.

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