O Jornal la Crónica de Badajoz está a dar destaque a um caso em tribunal que envolve um funcionário administrativo  do Serviço de Saúde da Estremadura (SES), acusado por familiares de consulta indevida de dados clínicos.

 O Ministério Público e a acusação particular mantêm o pedido de 16 anos de prisão e 10 anos de inabilitação absoluta para o empregado do SES,  indiciado por quatro crimes continuados de descoberta e revelação de segredos. A defesa argumenta que não foi provado que o arguido tenha acedido a informações sensíveis nem que as tenha divulgado a terceiros, e pede a absolvição.

O arguido, auxiliar administrativo do serviço de urgências do Hospital Universitário de Badajoz, afirma que não agiu por conta própria, mas sim a pedido do seu cunhado, um dos queixosos, que lhe pedia diretamente ou através de outros familiares que consultasse os seus dados clínicos no sistema Jara. “Ele denunciou-me por algo que, desde o primeiro momento, me pedia. É incompreensível”, declarou em tribunal.

O julgamento, que analisa a factos ocorridos entre 2016 e 2022, ficou ontem concluído para decisão na Audiência Provincial de Badajoz.  De acordo com  Ministério Público, ficou provado que o acusado acedeu sem autorização nem justificação assistencial aos dados de saúde do cunhado, da esposa deste e dos dois filhos, ao longo de quatro a cinco anos. A procuradora sublinhou que o arguido “agiu de forma consciente e deliberada durante muito tempo” e que, sendo funcionário público, tem obrigação de maior rigor no cumprimento das normas, razão pela qual é pedida também a inabilitação absoluta.

A acusação particular considerou o caso sem precedentes na jurisprudência espanhola, devido à frequência “quase obsessiva” dos acessos, e criticou a falta de alertas do sistema do SES para este tipo de comportamento.

Já a defesa, representada por José Antonio Casas, pediu a absolvição, defendendo que não foi demonstrado que o seu cliente tenha acedido a dados clínicos sensíveis nem os tenha partilhado com terceiros. “Houve dúvidas em muitos pontos e nada ficou provado. Só ouvimos duas versões na sala, mas não há certeza – e é a certeza que condena”, argumentou, classificando ainda como “desproporcionada” a pena proposta.

O arguido apenas respondeu às perguntas do seu advogado. Relatou que a sua relação com os queixosos sempre foi “muito próxima” e que conhecia os problemas de saúde do cunhado, da esposa e dos filhos através do próprio, que os partilhava até nas redes sociais – por isso, disse, eram “vox populi”. Acrescentou que o cunhado lhe pedia para consultar marcações, falar com médicos para agilizar procedimentos ou recomendar especialistas. “Usava as minhas possibilidades limitadas como auxiliar administrativo”, afirmou.

Assumiu ter acedido à Agenda do Paciente e à Gestão do Paciente relativamente aos quatro familiares, mas garantiu que o seu perfil profissional não permite aceder a dados clínicos sensíveis e que, caso tentasse, o sistema o teria bloqueado. Indicou ainda que nunca foi alvo de processo disciplinar por esses acessos.

Segundo o arguido, a relação familiar deteriorou-se devido a conflitos na empresa da família – o cunhado foi afastado da gerência em 2018 e desligou-se completamente em 2020. Ainda assim, mantinham contacto e, segundo ele, continuava a receber pedidos para consultar marcações médicas através da esposa do cunhado e da sogra. Ambas, bem como a filha, testemunharam em tribunal confirmando esta versão, dizendo que os laços se romperam após a denúncia, mas que tinham pedido ao arguido para consultar os dados médicos por preocupação com a saúde da família, especialmente com a filha menor dos denunciantes.

Na audiência, estiveram presentes também o responsável pela proteção de dados do SES e um perito em cibersegurança convocado pela defesa. O primeiro declarou ser “estranho” que o arguido tivesse acedido quase 400 vezes aos dados dos mesmos quatro familiares, mas admitiu que não é possível saber exatamente o que foi consultado, e que o sistema Jara não tem controlos para verificar se os acessos são justificados ou não.

Familiares negam ter autorizado a consulta

Os quatro membros da família, cujos dados confidencias foram consultados, e que apresentaram queixa em tribunal, declararam em audiência ter  pedido ou autorizado esses acessos e disseram sentir que a sua “intimidade foi violada”. A filha relatou ter sofrido ansiedade e medo de sair de casa devido à exposição. A psicóloga forense confirmou mal-estar emocional, mas sem lesões psicológicas permanentes.

O Ministério Público pede 6.000 € de indemnização por cada vítima, enquanto a acusação particular exige 7.000 €. O SES rejeita responsabilidade, alegando que adotou medidas para evitar abusos no sistema.

Foto: La Crónica de Badajoz

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