Gostava de pensar esta semana no palco para as Jornadas Mundiais da Juventude. Esse palco que teve palco durante um punhado de dias da semana passada, entre o último escândalo ministerial conhecido e o novo que há-de vir. Porque o tema não podia ter chegado em melhor altura. Com os focos apontados em Costa, Medina et al., um desvio de atenções na direcção de Roma foi uma verdadeira bênção do céu. Aconteceu tudo com bastante exagero, como é hábito quando se quer atrair o ódio da turba enraivecida para outra vítima. Logo se organizaram debates, entrevistas e análises com politólogos, engenheiros e sacerdotes, que dissecaram de todas as perspectivas possíveis o palco e os seus protagonistas, a quantidade de betão armado, a orientação solar da estrutura e o seu impacto ambiental nas espécies autóctones. Mas o cerne da questão foi sem dúvida o preço do palco, porque uma mega-estrutura arquitectónica que envolve a requalificação urbanística de uma zona ribeirinha e o tratamento de solos contaminados não deveria envolver somas típicas de obras de grandes dimensões.
Se falássemos em estádios de futebol, quem se queixaria? Aliás, quem se queixou de valores na ordem dos 90 milhões de euros na construção do estádio de Aveiro e de outros tantos para os estádios de Leiria e do Algarve no Euro 2004, e que hoje em dia ainda exigem um custo anual de manutenção na ordem também dos milhões para estarem ao quase-abandono? E quem se queixou ou queixa das dívidas que essas megalomanices provocaram no erário público dos municípios e que provavelmente só serão saldadas num futuro mais próximo do da guerra das estrelas do que do nosso? Para uma comparação em proporções mais realistas, só no município de Lisboa o Web Summit implicou um investimento camarário de 110 milhões de euros para aproximadamente 490 mil participantes. E o Rock in Rio um investimento de 27 milhões de euros para 191 mil participantes. As JMJ, que implicam um investimento de 35 milhões de euros da Câmara Municipal de Lisboa, prevêem acolher 900 mil participantes e um retorno económico esperado para o país de 350 milhões de euros. E esta é uma estimativa muito pouco generosa, porque nas últimas edições o número superou sempre o milhão de fiéis. A culpa agora é de Carlos Moedas, o herdeiro de Passos Coelho na autoria de todos os males nacionais. Mas tendo em conta que a candidatura às JMJ foi apresentada pelo PS, o programa aprovado pelo PS e BE e a coordenação do evento encarregue a José Sá Fernandes (BE/PS), veremos quem se chamará aos louros quando o dinheiro chegar – porque vai chegar.
Gostava de reflectir também sobre a nossa primeira praça de toiros, o Campo Pequeno. Que agora, por vicissitudes de patrocínios, se chama Sagres Campo Pequeno. Parece-me bastante despropositada esta mania de dar nomes dos patrocinadores aos espaços patrocinados (e, já agora, de autarcas a obras por si executadas), para não dizer de mau gosto, mas mais grave é o desfecho que sinto nisto tudo. O princípio do fim, a bem dizer. Porque o Campo Pequeno passa a Sagres e os próprios sectores da praça (quem não se lembra do mítico sector 1?) agora chamam-se “portas”. Das temporadas com uma dúzia de cartéis passa-se agora para quatro corridas por ano. E tudo com fim à vista, que nem empresários nem públicos citadinos têm muita pachorra para tradições portuguesas.
E em fecho de edição, recebo ainda a boa notícia de ter sido declarada inconstitucional a nova proposta de lei da eutanásia. Nunca é demais recordar algumas ideias-chave sobre o tema. A eutanásia é um caminho aberto para o desespero de tantos que se vêm desamparados de família e amigos e encontram na morte a única saída. O direito a morrer converte-se a pouco e pouco num dever a morrer e o suicídio assistido torna mais vulnerável os vulneráveis, especialmente os incapacitados, cujas vidas podem ser consideradas menos “valiosas” aos olhos da lei (exemplos na Bélgica e Países Baixos assim o demonstram). Destrói a confiança entre o médico e o paciente e debilita os cuidados paliativos e, em geral, o progresso médico sobre a atenção dos doentes crónicos e terminais. Não podemos esquecer que o sofrimento não diminui nunca o valor humano de uma pessoa – alguns sofrimentos na vida são inevitáveis e fazem parte do processo da morte. Mas com os avanços médicos actuais, a dor não deveria causar sofrimento a ninguém. Precisamos sim de um maior investimento na área dos cuidados paliativos para oferecer às pessoas com dor uma opção real – a de não sofrer desnecessariamente e de viver o fim de vida como um tempo de cura espiritual. Em vez de darmos razão a quem se considera um fardo e acabarmos com a vida a pedido dos próprios, deveríamos ajudar essas pessoas a darem-se conta do seu valor e a que vivam o tempo que lhes resta de maneira verdadeiramente digna.