O ano só muda no calendário.
Quero com isto dizer que vamos de borracha em punho, direitinhos à página em que estamos, apagamos o último número do ano e escrevemos o número que se segue.
Sempre que passamos pelo dia 1 de janeiro, parece que recebemos um poder extra, interior e exterior, com o qual tudo conseguiremos mudar. E sempre para melhor. Assim como o herói da banda desenhada, passamos a fazer coisas que antes não fazíamos; agimos como antes não agíamos; passamos a sentir como antes não sentíamos; seremos tão espetaculares que caminharemos rumo aos objetivos traçados, semeando alegria, amor, prosperidade, esperança…
Enfim, o dia 1 de janeiro não é mais do que 24 horas de uma hipocrisia vã: enganamo-nos a nós e aos outros, prometemos que vamos mesmo mudar para melhor, convencemo-nos de que chegou a altura ideal para a transformação e para a evolução. E o ano, que só muda no calendário, prossegue sem nada ter a ver com estes nossos devaneios…
Calendário este que, ainda assim, está mesmo cheio de páginas e com espaço para acrescentarmos outras tantas, se assim quisermos… Olhemos, então, para esta nova página como a oportunidade para parar e pensar sobre o que queremos escrever nela. Conscientes de que a página não se arranca, apenas se folheia e cede o seu lugar à página que se segue.
Nós contamos as histórias que os outros escreveram, os outros contam as histórias que nós escrevemos. Já que o calendário muda, mudemos também a forma de escrever as histórias, para que a forma como estas são contadas também mude.
Mudemos a forma como sentimos, a marca que deixamos. Mudemos o valor que acrescentamos naquilo que fazemos, a postura com que nos apresentamos. Mudemos o impacto que causamos.
Acima de tudo, que nesta nova página em branco seja reescrito o sentimento que nos une, o da Humanidade, carregado de seriedade, de realidade e de consciência. Arrisco-me a dizer que sentir é o mais difícil na vida. Muitos deixaram de sentir e poucos ainda sabem o que significa.
Já vão sendo poucas as páginas que dependem exclusivamente de nós e que podemos controlar. Por isso, tenhamos a liberdade e a ousadia de questionar e recentrar o valor da vida na sociedade e no mundo. Aproveitemos uma nova passagem pelo dia D, celebremos a pouca independência que nos resta, garantindo que somos nós, e não o vento, a virar as páginas do calendário.