A pouco e pouco, o futebol feminino vai sendo cada vez mais reconhecido e isso também se reflecte no número de adeptos e praticantes. Maria Vinagre e Carolina Cristiano, ambas do Clube de Futebol “Os Elvenses”, são apenas dois exemplos de raparigas que trocaram as brincadeiras com bonecas pelas correrias atrás de uma bola.
Esta paixão pela modalidade, que surgiu quando ainda eram duas meninas, continua nos dias de hoje e as duas jovens futebolistas, que são igualmente grandes amigas, gostariam, no futuro, de representar, “lado a lado”, uma “equipa reconhecida”.
Maria Vinagre, de 16 anos de idade, cresceu no seio de uma família onde se “falava muito de futebol” e, segundo a jovem futebolista, foi isso que a levou a interessar-se pela modalidade.
“Os meus tios, o meu avô, os meus irmãos e os meus primos falavam muito de futebol. Uma vez foram jogar à bola, fui com eles e comecei a pensar: ‘Isto até é engraçado’”, contou ao “Linhas de Elvas”.
Desde então, e até no recreio da escola, enquanto as amigas ocupavam o tempo com brincadeiras de raparigas, Maria preferia jogar à bola com os rapazes.
Com o gosto pelo futebol a intensificar–se cada vez mais, foi então que a jovem, com o apoio da família, decidiu começar a praticar a modalidade “mais a sério”. Tinha “6/7 anos”.
“Falei com a minha mãe, fui a alguns treinos de captação e entrei para ‘O Elvas’. No início não tinha tanto jeito. Gostava, mas não tinha aquele jeito, que acabou por aparecer com o passar dos tempos”, confessou.
Tudo ia de vento em popa quando o inesperado aconteceu. Devido a “problemas de saúde”, Maria Vinagre viu-se obrigada a deixar de jogar.
“Foi muito complicado, porque foi também quando faleceu a minha bisavó. Foi um choque quando tomei conhecimento do meu problema de saúde, porque disseram-me logo que não podia jogar à bola”, recordou.
Não podendo praticar futebol, mas querendo manter-se ligada à modalidade, Maria decidiu frequentar um curso de arbitragem, o qual completou com sucesso. A jovem ainda arbitrou “três ou quatro jogos em Elvas”, mas concluiu que “não dava”, porque custava-lhe “muito ver as pessoas a fazer” o que ela “não conseguia”.
“Entristecia-me muito ver as outras pessoas a fazer o que eu gostava e eu estar ali de parte, sabendo que podia estar lá no meio”, lamentou.
Se tudo isto não bastasse, Maria Vinagre voltou a ser afectada por novos problemas de saúde no Verão passado, com o aparecimento de “uma bactéria no estômago”. “Estive muito mal. Tive de fazer vários tratamentos”, referiu.
Mas depois da tempestade veio a bonança e a jovem viu o seu calvário chegar ao fim. “Na última consulta a que fui, perguntei ao médico se podia voltar para o futebol e ele disse que sim. Então voltei a cem por cento”, afirmou com um sorriso nos lábios.
Após essa “luta muito complicada”, o regresso aos relvados ocorreu há cerca de cinco meses, mas agora envergando as cores do Clube de Futebol “Os Elvenses”.
“Quando soube que podia voltar a jogar futebol foi um alívio muito grande e uma felicidade enorme. Comecei logo à procura de equipa e, como já conhecia o Nelinho há algum tempo, que é o treinador de ‘Os Elvenses’, fui para lá”, explicou.
Maria Vinagre contou ainda com o apoio da amiga Carolina Cristiano, de 15 anos, que joga na mesma equipa.
O regresso aos treinos, de acordo com a futebolista, foi “muito cansativo” no “início”, uma vez que “não estava preparada fisicamente”. “Tinha as aulas de Educação Física, mas nada que se compare ao ritmo do futebol. No entanto, com muita paciência, mesmo do treinador, agora já estou ao mesmo ritmo deles”, disse.
Se voltar a jogar futebol já tinha sido bom, o melhor ainda estava para vir. Pouco tempo depois de ingressar no Clube de Futebol “Os Elvenses”, Maria foi igualmente chamada à selecção distrital.
“Foi uma choradeira enorme. Depois de um treino, o Nelinho mandou uma mensagem à minha mãe a perguntar se eu podia ir a Portalegre fazer um treino para a selecção. Eu nem sequer estava a acreditar. Pensava que a minha mãe estava a meter-se comigo. Tive de lhe pedir para me mostrar a mensagem. Quando caí em mim, percebi mesmo que tinha sido chamada à selecção”, afirmou.
A jovem acabou mesmo por participar na Liga de Prata do Torneio Interassociações de Futebol Feminino Sub-16, que decorreu entre os dias 14 e 16 de Abril, em Viseu, onde a formação do distrito de Portalegre obteve o segundo lugar, só perdendo na final com Coimbra por 2-1. “Foi uma experiência muito engraçada”, considerou.
A presença nesta competição serviu também para Maria perceber as diferenças que existem entre os meios mais pequenos e as grandes cidades ao nível do futebol feminino.
“Aqui é raro o clube que tem futebol feminino. Por outro lado, há pais que ainda têm uma mentalidade antiquada. Há muitas raparigas que têm jeito para o futebol, mas depois ou não querem ir, porque têm vergonha de estar com rapazes, ou não vão por causa dos pais, porque não deixam e dizem que o futebol é só para rapazes. Em cidades grandes, como, por exemplo, Viseu, Coimbra ou Braga, já há equipas totalmente femininas”, constatou.
Quanto ao futuro, Maria Vinagre gostaria de continuar ligada à modalidade. “Se conseguisse viver do futebol era excelente. No entanto, o futebol feminino não tem o reconhecimento que devia ter. O que as raparigas ganham não é nada comparável com o que os rapazes ganham, nem têm de perto os adeptos que o futebol masculino tem”, observou.
Até lá, a jovem prossegue os seus estudos na Escola Secundária D. Sancho II com o objectivo de ingressar no ensino superior, num curso de Psicologia. Se tal não se concretizar, o plano B é “ir para a GNR”.
Seja qual for o caminho que seguir, Maria Vinagre acredita que, tal como aconteceu até aqui, irá contar com todo o apoio da família e dos amigos.
“Para além de fazer aquilo que gosto, que é praticar futebol, o mais importante é sentir o apoio da família e dos amigos. Principalmente depois de um mau treino, é bom ligar àquela amiga e ela confortar–me. Graças a Deus, sempre tive o apoio das minhas melhores amigas. Acho que é por isso também que consegui voltar ao futebol”, reconheceu.

“Não gostava nada de brincar com bonecas”

No caso de Carolina Cristiano, a paixão pelo futebol surgiu quando “era muito pequenina”. “Eu não gostava nada de brincar com bonecas nem com coisas mais de meninas. Sempre gostei de bolas e de jogar com os meninos, até que um dia vi um jogo de futebol e gostei muito de ver, ou seja, veio a tal paixão”, contou.
A jovem praticante aprecia “tudo no futebol, principalmente a capacidade de fazer esquecer os problemas familiares e escolares”. “Também gosto das amizades que o futebol nos traz, ou seja, a modalidade é uma casa e essa casa traz-nos uma família para sempre e que podemos sempre contar”, acrescentou.
Tal como Maria Vinagre, Carolina Cristiano também realçou o apoio da família nos bons e nos maus momentos.
“Todo o apoio é importante. É sempre bom ouvir um ‘estamos muito orgulhosos dela’, desabafar com os amigos sobre algum problema que houve no jogo ou no treino… É sempre bom observar nas bancadas essas pessoas a torcer por nós e esse apoio dá-me mais força. Quando estou cansada, dá-me mais força. Quando sinto dor, com esse apoio tento ignorá-la”, salientou.
Carolina Cristiano considerou ainda que a sua carreira está a ser “muito boa” até agora, apesar de “haver sempre altos e baixos”. “Sei que nesta carreira vai haver sempre bocas. São consideradas pontos baixos, mas, como é normal numa carreira, não podemos agradar a toda a gente. Sei que ainda há muito para aprender e para melhorar”, vincou.
As exibições da jovem futebolista no Clube de Futebol “Os Elvenses” também já lhe valeram várias chamadas à selecção, que, nas suas palavras, “é um mundo totalmente diferente para quem joga com rapazes”.
“Na selecção estou mais confortável a encostar o meu corpo e nas próprias conversas. Eu já estou na selecção há quatro anos e é uma família que sei que posso contar. Independente de onde estiver, criam-se amizades para a vida, conversas que podemos desabafar, rir ou até mesmo chorar. Quando uma está mal, as outras também estão. Podemos dizer que se afectam uma do grupo, afectam o grupo todo. A selecção vai ser sempre marcante na minha carreira e sei que, quando precisar, vão estar sempre de braços abertos para mim, ou seja, é um abrigo onde posso ficar sempre. Com ela podemos aprender a melhorar, não só no futebol mas como pessoas e vir a ajudar outros. Ainda não acredito que este, possivelmente, foi o meu último torneio, mas foi uma honra representar aquele símbolo. É um adeus? Claro que não. É um até já”, referiu.
Daqui para a frente, Carolina Cristiano sonha com uma carreira “feliz” e que continue a ser “adorada por muita gente”. “Espero um dia representar Portugal numa equipa estrangeira e provar que o futebol não é só para meninos. Também espero vir a ser uma inspiração para muitas meninas e até mesmo meninos. Espero ser um exemplo e que digam: ‘Ela lutou para estar onde está’”, afirmou.
Se este “sonho não se concretizar”, a jovem está a “estudar para ser uma futura fisioterapeuta de uma equipa de futebol”. “Quero seguir uma coisa que esteja relacionada com a modalidade”, concluiu.

Carregar mais artigos relacionados
Carregar mais artigos por Nuno Barraco
Carregar mais artigos em Actual

Veja também

João Muacho: “O SIM pode ser um ponto de viragem em Campo Maior”

João Muacho está de regresso à vida política de Campo Maior, agora como candidato do “SIM …