Acordei com o barulho das rodas do autocarro nas grelhas da ponte. Ainda que não seja o barulho mais esperado para acordar, enquanto assim for, eu agradeço por isso.

A sociedade de “agora” anda a acordar com todos os barulhos menos aqueles que significam vida. A sociedade de “agora” já está morta e anda ao sabor de “sabe-se lá o que” para ver se renasce…

Com todos os barulhos que por aí se ouvem, uns mais fortes e outros mais acobardados, acordar com o da liberdade de ir seguir o sonho, ou vários, ou aquele por que se anda à descoberta, é o melhor que se pode ouvir.

Todos os dias estamos rodeados de barulhos, que muitos deles nem conseguimos chegar à sua origem e à sua razão de ser. E muitos desses barulhos somos nós a propagá-los. Como poderemos, depois, queixar-nos de dor de ouvidos de os escutar?

O mundo tem dado as suas voltas sem vontade própria. O mundo já não é só o mundo e os nossos dias já não são só os nossos dias. Como a nossa vida já não é nem pode ser só a nossa vida.

Com a globalização e a evolução da Humanidade, já é, há muito, possível afirmar que o outro lado do Planeta é a morada ao lado da nossa. E, por isto, na morada ao lado, há barulhos de morte, há barulhos de descontrolo, há barulhos de violência, há barulhos de desalento, há barulhos de infelicidade, há barulhos de prisão. Sobretudo, há barulhos de falta de amor.

Neste mundo, nós já não somos só nós. E um dos problemas está aqui mesmo: acharmos convictamente que somos só nós. O egoísmo mata e tem estado a matar muito.

Como se diz popularmente “nem tanto ao mar, nem tanto à terra” e eu sublinho esta ideia pela razão de que não nos devemos esquecer de quem nós somos, da nossa essência e do que viemos cá fazer. Uns que ainda descobrem qual a sua missão, outros que consideram já a ter identificado e caminham em direção a ela, uns que no meio de tanta turbulência social, económica, política, ainda vêm uma luz ao fundo do túnel da sua vida e empreendem de forma conscientemente ambiciosa. Cada um à sua maneira.

Tudo o que fazemos deverá ter um impacto positivo em nós e na comunidade que nos rodeia. Como referi, o outro lado do Planeta já é a morada ao lado da nossa. Portanto, a comunidade a milhares e milhares de kms de distância também é a nossa comunidade.

Como poderei eu questionar sobre o barulho das rodas do autocarro nas grelhas da ponte, que significam concretização de liberdade, afirmação de amor, luta pelo futuro?

Luta pelo futuro, não só meu. Muito mais pelo futuro de todos do que o meu. Aquilo que fazemos tem de ser obrigatoriamente a pensar no impacto positivo que vai ter nos outros. A sociedade já não pensa nisto. A sociedade já não sabe o que significa viver em grupo e ser grupo implica existir bidirecionalidades.

Na década de 80, Alexandre O’Neill escreveu “Há mar e mar, há ir e voltar.”. Por isso, vivamos a vida com esta bidirecionalidade. Eu vou e venho. O que eu faço, vai e vem.

As rodas do autocarro fazem barulho nas grelhas da ponte, mas não o fazem só para mim, fazem para quem está comigo no autocarro, fazem para os outros automóveis que passam na ponte, fazem para os barcos que navegam o Tejo, fazem para quem avista a capital no miradouro do Cristo Rei.

No fim do dia, resume-se tudo a duas reflexões:

1) O que eu fiz e deixei nos outros;

2) O que os outros fizeram e deixaram em mim.

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