OPINIÃO INDEPENDENTE

Enquanto os bons números na economia vão permitindo a redução da imensa dívida pública, ao
Primeiro Ministro correu bem e mal a prova da TAP. Bem porque foi uma trapalhada de que cedo se
soube abrigar e mal porque, no fim, lhe trouxe de volta o pegajoso challenger Pedro Nuno Santos.
Será balão a esvaziar até à privatização e assunto de que, depois disso, conta ver-se livre.
O outro acontecimento impactante foram as Jornadas Mundiais da Juventude. Contando aqui com a
assídua e devota colaboração do Presidente da República, apenas interrompida por um “agarrem-me
senão veto” o diploma do governo sobre carreiras dos professores e apesar dos sucessivos bicos de
pés em que se foi pondo Carlos Moedas, dificilmente o PM podia ter tido algo a puxar mais lustro
ao seu grande ego do que este reconhecido êxito.
Mantêm-se problemas com a inflação, os impostos, a habitação, a demografia, a saúde, a justiça, a
emigração de licenciados e os incêndios mais a seca? Sim, mas aproxima-se a velocidade de
cruzeiro de um retemperador PRR para ir espalhando por aí obra e dinheiro.
O que de novo e verdadeiramente diferente sobrou neste ano político foram os vários arrufos entre o
PR e o PM.
É que o nosso PR nunca conseguiu deixar de ser comentador político. Para atenuar a insegurança de
que o seu desempenho não justifique o suficiente carinho de alguém com quem possa vir a cruzar-se
nalguma selfie, não resiste a um microfone. Explica e comenta tudo a toda a hora e esta constante
verborreia acaba a expô-lo muitas vezes por falar do que não deve e, outras vezes, a dependência da
sobre-exposição atira-o para comentários precipitados e impróprios do mais Alto Magistrado da
Nação, como aconteceu no ignominioso caso do crimes sexuais na Igreja.
Apesar de há pouco mais de ano e meio ter dissolvido a Assembleia e com isso nos ter conduzido ao
desconcerto deste intranquilo governo de maioria absoluta, já com treze baixas desde a sua posse,
neste último ano político o estribilho do PR acabou mesmo por ser, outra vez, a dissolução.

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Como, pelos vistos, o PM suportou mal ter no anterior governo alguma gente competente e com
autonomia de pensamento, deixou-os de fora quando formou este novo executivo privilegiando a
fidelidade dos quadros do partido. Pressentida alguma indecisão do PM entre o governo da nossa
queirosiana choldra e o ir trajar-se de luzes para a União Europeia, pouco tardou até as lutas
intestinas pelo poder entre os ministros serem antecipadas e ganharem prioridade à boa governação
do país.
Pois o PM pode não ter muito jeito para formar nem paciência para liderar governos, mas do que
não há dúvida é que conhece muito bem este PR e, sabendo-lhe do horror ao sentimento de rejeição,
avaliou bem o bluff da dissolução.
É dos livros que as guerras se travam no contacto e todos conhecemos as suas analogias com a
política. O governo tem então a sorte de ter um contacto de muito baixa intensidade com os recentes
e enfraquecidos aliados à sua esquerda e um contacto à direita com o seu habitual concorrente ao
poder, um PSD indeciso em suporte a um líder que, depois de tudo o que já aconteceu neste
governo, veio a uma televisão informar que se contenta em perder por poucos nas próximas eleições
europeias.
Depois da extemporânea e inusitada insistência do PR no tema da dissolução, o PM decidiu então
retomar a iniciativa política escolhendo o caso Galamba para confrontar o PR com a sua falta de
coragem.
Até para tentar proteger os outros, sacrificou aquele ministro como saco de pancada e transformou o
PR em líder da oposição criando um competidor que consigo nunca disputará eleições e que, tal
como o PM esperava, no fim desta peleja se limitou à pífia ameaça de, a partir dali, “passar a estar
mais atento à governação”. Ora, por enquanto, essa maior atenção traduziu-se nos banais veto ao
diploma do governo referente à habitação e na promulgação daquele que aos professores respeita.
Isto é, se com o Chega o PM já tinha um seguro de vida, com o caso Galamba o PR acabou por
conseguir-lhe outro de acidentes de trabalho!
E estávamos nisto quando o Prof. Cavaco, o tal que gosta de se afirmar não político, decide
interromper o seu processo de obsolescência para pôr o pé na dança.
Depois de ter sido o único Presidente a não ser pago pelo Estado por preferir receber as suas
pensões, Cavaco Silva ofendeu os pobres deste país quando se lamentou dizendo da sua reforma
que “quase de certeza não dará para pagar as minhas despesas” e, em conjunto com o seu assessor
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de imprensa em Belém, cobriu-se também de ridículo com uma rábula a propósito de escutas no seu
Palácio.
Incrivelmente, treze dias antes da estrepitosa queda do BES, veio também Sua Exa. armar-se em
vendilhão do templo (não se sabendo se, como nos evangelhos, de lá terá sido expulso por Jesus
Cristo, tão pouco se sabe se o Espírito Santo o amparou no reclame) e, repuxando da sua qualidade
de perito em finanças, em vez de alertar os investidores para o enorme e iminente risco, apareceu a
apregoar uma recomendação de investimento naquele banco por ele “ter folgas de capital mais do
que suficientes”!!
Há países civilizados em que isto chegava, pelo menos, para algum tipo de investigação das
autoridades competentes, mas, por cá, o Prof. Cavaco, em vez de pedir desculpas aos lesados e de
definitivamente se conter de cada vez que se sente tentado a criticar ou aconselhar alguém, prefere
descer do Olimpo e conceder-nos acesso à imensa da sua ideia.
Assim, tendo cheirado aquela jogada do PM com o caso Galamba, ufano, acorreu Cavaco ao
congresso dos autarcas social democratas para ungir Montenegro (estava melhor preparado do que,
na altura, ele próprio), tentando colocá-lo no sítio de onde o PM o tinha tirado para lá pôr o PR.
Apesar de ter sido ele a dar posse, pela primeira vez, a um líder de governo que havia perdido as
eleições, esqueceu-se do seu estatuto de ex-PR e, qual guerrilheiro comandante-em-chefe, apareceu
a espadeirar. Isto para ensinar a Montenegro como deve discursar um líder da oposição mas, usando
e abusando da falta de nível na linguagem desse histriónico discurso, mais parecia tê-lo
encomendado ao azougado deputado André Ventura. Acresce que, não conseguindo elevar-se da
condição de provinciano deslumbrado pela bajulação dos fiéis e embevecido por se ouvir ao zurzir
assim no governo, não lhe ocorreu que ao não resistir a puxar para si todos os holofotes acabava
afinal a retirar palco vital para a afirmação ao principiante líder do PSD.
Com as rentrées dos partidos temos o lançamento das eleições europeias de 2024 e, até lá, é o PM
quem mais trunfos vai tendo para jogar este jogo em que aproveita uma maioria absoluta e a falta de
comparência de adversários do seu nível político para ir somando vitórias. No entanto, estas serão
apenas pírricas se não as souber utilizar para ajudarem ao desenvolvimento do país.

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Parte II

Servem o PSD e o Chega para Oposição?

O PPD/PSD é potenciado como partido de poder a partir de uma sólida base autárquica e, sendo um
catch-all party moderado sem uma matriz ideológica muito acentuada (Pacheco Pereira gosta de o
caracterizar como personalista e humanista), vai sendo a cada momento aquilo que o seu líder for.
Já foi brilhante com Sá Carneiro e próximo de patético com Santana Lopes, mas mantém-se
indeciso com Luís Montenegro, pois já o derrotou antes de o eleger e ainda procura perceber de que
é feito este presidente para decidir se vale a pena mimetizá-lo ou se será melhor eliminá-lo.
Estando tal hesitação a condicionar muito o partido face à cada vez maior urgência de uma oposição
forte, mesmo assim, procura Montenegro ganhar tempo para si ao anunciar na televisão que não
conta sair da liderança ainda que não ganhe as próximas eleições europeias, sendo, no entanto, esse
o limite para o partido decidir se fica ou não com este líder.
É que Montenegro pode muito bem ter atingido o seu princípio de Peter no cargo de líder
parlamentar e parece agora debater-se com a incomodidade de um coronel aflito por a posição lhe
exigir comportamento de general.
Até por contraste com a discrição de uma certa habitação de Massamá, como é que alguém com
ambições políticas manda construir para si uma casa em Espinho e deixa que isso se torne fonte de
problemáticas notícias? Não era já tempo de chamar a comunicação social e disponibilizar toda a
informação que lhe fosse solicitada para ficarem esclarecidas quer as mais, quer as menos
justificáveis dúvidas? Deixar-se atropelar pelos acontecimentos num caso como este abona muito
pouco em favor da capacidade de exercer domínio de um político que se propõe governar um país.
E depois acresce que a um líder do PSD na oposição já não lhe é suficiente enfrentar um governo
PS em funções porque, actualmente, a concorrência à direita também justifica, e já exige,
determinação nesse combate político. Apesar da premência dessa luta, perante a inação e o tamanho
da tolerância do PSD, à sua custa, o crescimento que a IL e o Chega têm conseguido já chegou aos
dois dígitos.
Ingénuo, Rui Rio ainda esboçou uma espécie de ideia com o caso dos Açores. Achava ele que o
deputado André Ventura, qual filho pródigo, se escanhoado e lavadinho, podia ser normalizado e
reabsorvido num abraço de urso.

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Já Montenegro, também em relação ao Chega tem deixado perceber fatal indecisão e muito pouca
acutilância e, assim, tem o PSD vindo a deixar-se sangrar por esta sua excrescência sem ainda ter
reunido coragem para a decepar.
Apesar das boas intenções e da correção das suas propostas para a habitação e para os impostos, não
admira pois que, mesmo beneficiando por ser a alternativa natural a um mau governo, o PSD não
esteja a conseguir passar da cepa torta nas sondagens e que, de acordo com a última da Intercampus,
35,7% dos portugueses prefira mesmo Carlos Moedas contra 23,9% dos que acham que Luís
Montenegro é melhor líder para o PSD.

Jaime Nogueira Pinto, um dos mais prestigiados pensadores da direita portuguesa, opinando em
abril numa televisão acerca da “indigência intelectual e vazio de corpo teórico deste partido” disse:
“o Chega tem vivido essencialmente de ser um partido de protesto, um partido de descontentes. Se
quiser passar para uma fase de luta superior, não há dúvida que, do ponto de vista intelectual, dos
conteúdos e do ponto de vista de programa tem que dar uma grande volta.”
Qual é então a fase inferior de luta em que se encontra o Chega?
Ao pressentir que uma oportunidade de negócio se avizinhava com um novo segmento do mercado
político, oportunista, André Ventura mudou de partido para o ocupar e, demagogo, tem utilizado
esse nicho para a sua própria promoção.
Depois, tem vindo a fazer-se eleger presidente em consecutivos congressos do partido para ir
purgando vozes discordantes e para tentar elaborar para esta sua obra de fancaria política uns
estatutos que o Tribunal Constitucional sempre tem chumbado por causa da excessiva concentração
de poderes no líder.
Em setembro de 2021 este autofágico partido elegeu dezanove vereadores e, em menos de dois anos
de perfídia, a derrocada autárquica já vai em sete, entre os quais todos os eleitos no Alentejo!
Primeiro cumpriu o objectivo de utilizar os problemas de uma região deprimida em proveito da sua
demagógica propaganda partidária para rápido ganho de notoriedade. Depois de assim caçados os
votos, desprezou a região a ponto de o seu presidente, eleito para a Assembleia Municipal de
Moura, faltar em 2022 a todas as sessões desse orgão representativo. A ex-vereadora do partido
naquela localidade dele disse “Deus me livre ter uma pessoa destas a governar o país! É uma
vergonha e em boa hora me desvinculei do Chega” e o ex-cabeça de lista por Évora bateu com a
porta juntando “o problema é com o Alentejo todo porque André Ventura esqueceu-se da região”.

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Apesar da vacuidade e da imensa indigência de uma organização tão primária, é tamanha a
desfaçatez e o atrevimento que o Sr. Ventura, num partido unipessoal e sem quadros, mesmo assim
se permite anunciar os ministérios a que aspira se o Chega vier a integrar o governo de Portugal.
O poeta e ensaísta austríaco Karl Kraus dizia que “o segredo do demagogo é de se fazer tão
estúpido quanto a sua plateia, para que esta imagine ser tão esperta quanto ele”. Ora, a golpes de
tremendismo e veneta, este trauliteiro, ex-inspector tributário e pós-graduado em comentário
futebolístico pela CMTV, tem vindo a trabalhar o mercado do desconsolo para arregimentar um
conjunto de desabrigados de outros partidos, de incautos e de arrebatados ultramontanos, adeptos de
alvoroço e de grosseria como forma de fazer política. Com isso, tem feito crescer um partido radical
e populista que usa o insulto como método para convencer e a linguagem de arre-macho em gritaria
como forma de comunicar.
Aliás, a comunicação é bem reveladora das suas tóxicas práticas, pois, para tentar ganhar votos, não
hesita Ventura em difundir notícias falsas, utilizando para isso o grafismo de orgãos de informação
sérios como o Público e a Renascença, sem que alguma vez aí tenham sido noticiadas. Com o claro
propósito de enganar, é uma técnica usada em burlas na internet e a que a Rússia também tem
recorrido para propaganda.
Mas o sanguinário imperialismo russo não só é referência para ignóbeis práticas como também foi
financiador de um vasto conjunto de partidos da extrema direita da Europa, visando o boicote e
enfraquecimento das instituições europeias.

No passado mês de março, talvez para compensar o falecimento da sua fofa coelha acácia, animava-
se André Ventura com o que confirmou ser a organização de um evento de grande dimensão para

juntar em Lisboa no mês de maio destacados e rijos líderes daquela extrema direita, a que juntava
como cabeças de cartaz as boçais aberrações Donald Trump e Jair Bolsonaro.
No entanto, no princípio de maio e com beiça de vítima, veio depois anunciar o adiamento do
evento por a justiça ter escolhido precisamente aquela altura para perseguir nos respectivos países
algumas das luminárias convidadas.
A esta estridente e abrasiva extrema direita da Europa pertence, por exemplo, o Partido da
Liberdade da Áustria cujos deputados, no dia do primeiro aniversário do massacre russo em Bucha,
se levantaram e abandonaram a câmara legislativa quando Zelensky lá discursava. Já em 2018 Putin
havia sido convidado de honra no casamento de um destacado membro deste partido, depois de, em
2016, ter sido assinado um acordo de cooperação com o partido daquele ditador, o Rússia Unida.

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“Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és”. Ora recentemente também o presidente do Chega
voou até Madrid ao encontro de outro dos inenarráveis partidos convidados para o adiado grande
evento.
Primeiro, o partido a que Ventura gosta de chamar parceiro, o Vox, serviu de referência para a
tentativa de promoção em Portugal de uma federação sindical que copiava o já batido nome
(Solidariedade) do sindicato promovido em 2020 por aquele partido espanhol. Depois, procurava
aproveitar o balanço eleitoral do Vox até ao governo de Espanha para também por cá se insinuar
como potencial partido de poder.
No entanto, queria André Ventura trazer lã e acabou por de lá vir tosquiado pois não contava com o
tombo de mais de um terço dos deputados do Vox nestas eleições e com o consequente regresso das
suas bandeiras aos baús. Se tivessem tido possibilidade de ser desfraldadas, talvez o seu ríspido
parceiro extremista, o basco Santiago Abascal, lhe tivesse oferecido uma daquelas da dinastia
filipina que costuma utilizar para representar o seu país em que Portugal é absorvido e Espanha se
expande aos limites da península ibérica.

Porque os valores da Igreja Católica são residuais na comunicação do partido e na sua estratégia o
que conta é a agitação, portou-se André Ventura de forma indecorosa e mal educada ao faltar à
recepção ao Papa e voltou agora a querer palco quando por isso lhe veio pedir desculpas (o que não
se ficou foi a saber se também se terá castigado em penitência como ele diz que habitualmente faz
com o seu cinto de pontas de arame!).
Duvido que o Papa da Carta Encíclica Fratelli Tutti e do recente “todos, todos, todos” nas Jornadas
Mundiais da Juventude já tenha, sequer, ouvido falar do nosso excitado campeão nacional dos ruins
sentimentos, mas, se lá chegar o seu pedido de desculpas, pode até ser que Sua Eminência
Reverendíssima lhe dedique uma oração em desejo de melhoras.

Para a imigração, a xenofobia! Para a pedofilia, a castração química! Para a lei, a pena de morte! E
para Portugal, alguém recorda propostas que mostrem o Chega a querer passar a uma fase superior
de luta?
Afinal, que préstimos é que tem mesmo para nos oferecer este mercador de medos e desesperanças
com o seu infrequentável partido?

Ervedal-Avís, 29 de Agosto 2023

Joaquim Fouto Varela do Nascimento

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